segunda-feira, dezembro 31, 2007

Virada

Ano que vem eu queria te ver mais, tocar também, se possível. Esse não fiz nada a não ser esperar por algum sinal, uma esperança tola de que você lê pensamentos, em especial os meus, e me dirá exatamente aquilo que quero ouvir. Ainda que excepcional, você não pode exceder o humano. Mas devería, deveríamos todos ser capazes de extravazar para além do humano, em algum tipo de êxtase metafísico que nos levasse à descobertas absurdas e maravilhosas que trouxessem tudo que é mágico de volta à esfera do real.
Lógico que esse tipo de consideração só poderia ter vindo de mim, um homem, o mais infantilizado dos seres vivos, que até o fim da vida age como se precisasse ser alimentado pela mãe. Diga-se de passagem, há até quem diga que somos parecidos com filhotes de macacos, grandes bebês macacos neotênicos, eternos filhotes que podem gerar mais filhotes. Isso, ainda que não resolva o dilema sobre a nossa história evolutiva, explicaria alguns dos nossos problemas.
São 23:08, eu, o homem, estou bem vestido, asseado e sozinho. Entretanto, de foma alguma infeliz. Curioso, li, assiti a um filme, assisti televisão, escutei música e agora escrevo, se a virada corresponder a como as coisas se encaminharão para o ano seguinte, acredito que estará tudo bem. Só gostaria de acrescentar que nos víssemos um pouco mais, com mais intimidade também... Se me alongar um pouco mais, fico tentado a te "dizer" coisas indevidas. Então fica assim: acho que a gente devia se ver mais. Feliz 2008.

quinta-feira, novembro 22, 2007

Saudades

Hoje fiquei espatando a ler uma matéria e descobrir que eu não sabia o que eram saudades, porque na minha ignorância, eu achava que era somente algo ruim, uma ausência que corrói. Também me achava um aleijado, inacapaz de sentir saudades, que no fundo envolvia uma incapacidade de se relacionar de forma mais profunda. Então também fiquei grato, porque conclui que sinto saudades, muitas até, de várias pessoas, da Sue o tempo inteiro, do Ronan que eu só vi por um dia, de tomar picolé. Isso porque saudade, não importa quanta dor tenha junto, é sempre algo que faz parte de lembranças boas.
Esse foi o texto iluminador:
" (...) E a suidade não descende de cada uma detas partes, mas é um sentimento do coração que vem dos sentidos, e não da razão, e faz sentir às vezes os sentidos da tristeza e do desgosto. E outros vêm daquelas cousas que a homem praz que sejam, e alguns com tal lembrança que traz prazer e não pena (...) E em casos certos se mestura com tão grnade nojo, que faz ficar em tristeza. E para entender isto cumpre ler por outros livros, porque poucos acharão que dele falem, mas cada um vendo o que escrevo, considere seu coração no que já em várias ocasiões tem sentido, e poderá ver e julgar se falo certo.
Para maior declaração ponho disto exempros. Se alguma pessoa por meu serviço e mandado de mim se parte, e dela sinto saudade, certo é que de tal partida não tenho sanha, nojo, pesar, desprazer ne aborrecimento, porque agrada-me que tenha partido e pesar-me-ia se não fosse. E por sentir algumas vezes vem tal suidade, que faz chorar e suspirar, como fosse de nojo. E porém me parece este nome de suidade tão próprio, que o latim nem outro linguagem que eu saiba não é pera tal sentido semelhante.
De se haver algumas vezes com prazer, e outras com nojo ou tristeza, esto s efaz, segundo me parece, porquanto suidade propriamente é que o coração toma por se achar apartado da presença dalguma pessoa, ou pessoas que muito per afeição ama, ou espera cedo ser. E esso mesmo dos tempos e lugares em que per deleitação muito folgou. Digo afeição e deleitação, porque são sentimentos que ao coração perntecem, donde verdadeiramente nasce a suidade mais que da razão nem do siso. E quando nos vem alguma lembrança de algum tempo em que muito folgamos, não geral, mas que traga rij sentimento, e por conhecermos o estado em que somos ser tanto melhor, não desejamos tornar a el por deixar o que possuímos, tal lembramento nos faz prazer. E a míngua do desejo per juízo determinado da razão nos tira tanto aque sentido, que faz a suidade, que mais sentimos folgança por nos lembrar que passamos que a pena da míngua do tempo ou pessoa. E aquesta sauidade é sentida com prazer mais que com nojo nem tristeza. (...)" D. Duarte (1391-1438)

sábado, novembro 17, 2007

Real

Quando estou andando começo a narrar, é uma tentativa de transformar o fatos comuns em algo mais próximo do extraordinário, pelo menos fora do comum. Fora do comum seria encontrar alguém incrivelmente interessante no meio do mundo de gente que atravessa a BR pra entrar ou sair do shopping. No estado em que as coisas estão até parar de falar alguém ou "a criatura" e usar o devido "ele" já seria bastante fora do comum. No final das contas, atravessar ali sem ser violentamente esbarrado, nem esbarra em alguém seria fora do comum, acredito que até mesmo extraordinário.
É importante correr alguns riscos pra que as coisas fora do comum possam acontecer, as vezes eu faço isso. Hoje, foi ir ao cinema, às dezoito e vinte cinco decidi assistir o filme das dezenove horas, troquei de roupa e fui. Narrando a preocupação com o horário, a irritação com a lentidão das pessoas e a quantidade de gente, até o filme conseguir me deixar quieto, esquecido do mundo.
Parado, esperando um sinal incrivelmente demorado fechar, foi quando me dei conta dessas coisas. Porém, elas dificilmente fogem do comum na minha vida, dá pra inumerar algumas: eu vou todo arrumado para o cinema, mesmo quando vou sozinho; sou um ávido consumidor de sapatos, acabei de gastar quase trezentos reais em mais dois pares, absolutamente necessários devo ratificar; falo muito sozinho, mas bem baixo, detesto pessoas se intrometendo nas conversas alheias; e eu narro a minha vida, até quando só estou parado esperando um sinal.

domingo, novembro 11, 2007

À Tarde, Quando Ela Passa

Ela sempre passa às 5, eu corro pra janela e a vejo passar, nem sempre ela me enxerga pq eu me abaixo, deixo só um olho no canto da janela pra vê-la passar, se ela me vir todos os dias ali vai achar que sou desocupado ou estranho ou os dois, vai ver que sou mesmo. Uma vez me distraí, tava tocando uam música que eu gosto muito, eu cantava displicente, fora de tom, quando percebi ela tinha parado, parei de cantar no mesmo instante, a surpresa me deixou embaraçado e vermelho. O sangue passou por uma imediata transfusão por qualquer outra coisa gelada e viscosa que demorava a correr pelas veias e fazia o coração bater dez vezes mais rápido pra conseguir bombeá-la. Ela sorriu, baixei o olhar e sorri de volta. Ela seguiu seu caminho e eu fiquei só de novo, com vertigens, prestes a desmaiar. Então aconteceu, fiquei eufórico, me descobri um daqueles apaixonados platônicos, que se contentam com pouco, verdadeiras migalhas afetivas, que me fizeram arder de paixão adolescente, mais uma prova da minha imaturidade emocional. O cinismo me fazia ciente de todos os indicativos de uma paixonite aguda, mas era um diagnóstico inútil, porque a paixonite é irremediável, não importa o grau de consciência.
Resolvi que a conheceria nos mais íntimos e desconhecidos detalhes que se pode conhecer alguém sem sequer perguntar seu nome. Nas semanas seguintes, na hora em que ela passava, eu me abaixava, de olhos fechados, ficava atento para ouvir o som dos seus passos, descobri que eram curtos, um pouco arrastados, aprendi o som que faziam quando ela estava de salto e que às sextas-feiras ela sempre usava sandálias. Uma vez eu estava no açougue, ouvi seus passos dobrando a esquina, de imediato me escondi, o açougueiro me lançou um olhar de estranheza, quando ela passou da porta coloquei o rosto pra fora, ela usava um vestido azul claro. Lógico que ela usava algo claro, eu jamais me apaixonaria por alguém que não tivesse a leveza dela. Era negra, disso meu pai não iria gostar, felizmente ele já está morto, mas faço questão de chegar bem do túmulo pra contar "Pai, eu vou casar e ela e às é pretinha feito carvão. Tenta me impedir".
O mais extraordinário desse dia foi o cheiro, tinha um pouco de flor e madeira, se fechasse os olhos eu o enxergaria em linhas saindo dos pulsos até o meu nariz. Fui guardando ela aos poucos. Uma vez eu estava andando e senti o cheiro, mas ela não estava por perto. Outra vez ela atrasou, fiquei muito preocupado porque parecia que ia chover. Da vez que ela não foi trabalhar então foi um inferno, fiquei lembrando do chefe nojento demitindo a coitada, ou do motorista irresponsável que a deixou caida no asfalto com um corte da testa que sangrava muito. Mas no outro dia ela voltou, então ficou claro que o desgraçado tinha se dado conta do erro idiota que estava comentendo e pediu desculpas à coitada, não havia curativo então, graças a Deus, não houve acidente.
Um dia eu sentei no degrau da portinhola do quintal, na hora em que ela passasse eu diria "oi". os minutos foram se aproximando das cinco e quanto mais próximos, mais parecia que havia um número infinito de nano, mili, micro e o diabo de segundos entre às 16:49 e às 17 em ponto. De novo aquela coisa foi colocada no lugar do meu sangue, a minha testa, eu tinha certeza, começava a se encher de pingos de suor frio, tinha a impressão que até o hálito me saía gelado, fazendo fumaça. Meu Deus, que ódio de mim, ela passou, olhou pra mim, sentado ali, nem levantei os olhos, era sexta e ela usava sandálias, o cheiro estava ali, entrei correndo, bati a porta, ouvi os passos se afastando e a linha do cheiro se tornando tênue, até sumir.

segunda-feira, novembro 05, 2007

Já entendi qual o problema, é que eu tenho a inteligência emocional de uma criança de três anos de idade. Como eu sei disso? Eu convivo com uma ora bolas: a negação pelo puro prazer de dizer "não" às pessoas, as cutucadas e mordidas pra atrair atenção ou pra meramente demonstrar carinho, beijos e abraços são muito "over", e a clássica inabilidade de cuidar de si mesmo, exceto quando diz respeito a higiene, principalmente de partes íntimas, com essas eu prefiro não receber ajuda. Jutando isso com a paranóia de uma mulher mal amada, que fica o tempo inteiro pensando coisas ruins e dizendo pra si mesma "pára com isso, pára com isso", claro que não falo sozinho, todas essas discussões são internas, o que muito provavelmente as torna ainda mais patológicas. E a já mencionada falta de traquejo, outro dia tinha um casal conhecido se comunicando de forma infantilóide, acredito que a minha indisfarçável cara de nojo não passou despercibida, mas preciso deixar bem claro de que ela foi involuntária, porque no fundo isso deve até ser fofinho, isso em algum nível ainda desconhecido para mim, mas acredito piamente que ele existe. Esse conjunto dá uma entidade complexa e bastante patética. Eu...

domingo, novembro 04, 2007

Tô precisando de literatura feliz, o que constitui um sério problema, porque boa parte dos livros que eu gosto não são felizes, pior a maioria dos livros felizes não são bons, Frank Hoover do "Little Miss Sunshine" me apoia pra dizer isso. Ok, ok, a minha grande favorita Jane Austen sempre tem finais felizes, mas só depois de muito, em especial no razão e Sensibilidade, muito sofrimento mesmo. O que eu quero é um boa quantidade de glicose, soma, pílulas o que quer que seja, mas que me deixe entorpecido por uns quantos dias, feliz, sonhando com anjinhos cor-de-rosa com bolinhas azul bebê. Quero a tal da leveza de que eu sempre falo, nem que seja à força.

domingo, outubro 28, 2007

O Tempo (Continuação)

Ela levantou-se da cadeira antes que o gato pulasse para o seu colo como acontecia todos os dias, percebeu que ele ficou no tapete, encarando-a, a cabeça um pouco virada para o lado, perguntando "O que eu faço agora?". Passou para a cozinha, sua mãe estava sentada numa cadeira, um ar confuso "Que a senhora tem mãe?", a resposta deixou-a ainda mais atônita "Nada, minha filha. Eu... parece que esqueci o que eu ia fazer - colocando uma mãe à frente da boca a senhora sorriu- Devo estar ficando velha mesmo", a menina sorriu de volta "Que isso mamãe - pegou um guarda-chuva - Vou sair, vou na casa da vovó", "Pra que o guarda-chuva, já choveu hoje" retorquiu sua mãe "Não sei, - ela sorriu - de qualquer forma vou levar".
Assim que pôs os pés para fora de casa e olhou a estrada, percebeu que no céu as nuvens de chuva, cinzentas e ameaçadoras, juntavam-se mais uma vez. Porém, ela precisava ir até a casa da avó, lembrara-se da avó contando uma vez sobre um livro muito antigo que lera quando criança, o "Livro do Início do Mundo", Ana tinha certeza que se alguma coisa podia ajudar era esse livro. Eram dois quilômetros e meio da sua casa até a de sua avó, com ou sem chuva ela esperava chegar antes das cinco, não gostaria de estar na rua quando anoitecesse. A chuva chegou muito rápido, o vento parecia querer deliberadamente impedí-la de andar, Ana se agarrou firme ao guarda-chuva. Em um momento ela viu algo um pouco maior que um graveto, que dividia a passagem, mesmo que parecesse loucura, ela sabia que dependendo do lado escolhido seu caminho seria afetado. Ela ergue os olhos, olhou para baixo mais uma vez, depois olhou para frente, sabia que a esquerda era o caminho certo para seguir.
As nuvens de chuva que encobriam o sol não deixaram que Ana percebesse a transformação que se operava na estrada, o verde escuro tomando o caminho todo, até as árvores e as casas parecessem todas feitas de esmeraldas bastante escuras, até o chão parecia refletir um verde que só seria possível se fosse feito do pó de minerais preciosos. Foi bom que Ana não percebesse tudo isso, quem sabe o susto da transformação a fizesse desistir. (continua)

domingo, outubro 21, 2007

Match Point

Estava assistindo "O Espelho tem duas faces", acredito que seja esse o título, sei, é decadente assistir um filme desses às 8 da manhã de um domingo, pior ainda é se identificar totalmente com o personagem principal feito pela Barbara Streisand, isso vai além de bichice, é patético. Estava tudo ali, cortando a comida toda antes de comer, separando a parte que não gosta e, mais importante, medindo o que vai no garfo para ter um bocado perfeito e simétrico. Se identificar com um personagem patético é assinar o seu próprio atestado de pessoa patética, a Sue se identifica com a Elinor, minha heroína favorita da Jane Austen, já eu me identifico com a Rose, meu Deus, nem ao menos é um personagem masculino. Porém, no filme ela dá o seu pulo da gata, o marido chega em casa após uma viagem, "You don´t know me" como trilha, dá de cara com ela: linda, magra e inevitavelmente loira. Se a lógica for essa, eu só vou precisar de mais uns vinte anos sozinho, morar com a minha mãe até lá e dar aulas, pra poder ter o meu pulo do gato, acho vou esquecer a clareada dos cabelos, ela não fica bem em homens.

sábado, outubro 20, 2007

Balanço

São dois anos de blog, li uma vez no da Ivana Arruda Leite que o blog a ajudava a manter a concentração nas coisas de fora, é uma afirmativa meio estranha, mas a premissa era de que colocando todas as doidices que passavam pela cabeça dela n blog, ela conseguia se concentrar melhor na hora de escrever outras coisas. No meu caso acho que isso não deu certo, acho que hoje em dia escrevo pior, coisas mais inócuas e menos felizes, no início do blog havia humor, agora só tem um ranço de ácido, mas também não posso culpá-lo, acho que o problema sou eu, afinal as coisas do início estão todas aí: a ana maria, a falta de amor, as revistas, os livros, os amigos. Não, não tá tudo aí, eu decaí, não sou mais saudável, não sou mais disciplinado, quase não vejo mais os amigos. Fiz alguns novos, mas acho que já perdi um deles, não sei mais cativar as pessoas, mas acredito que não preciso mais dessa responsabilidade também. Escrevo pouco, mas também vivo tão pouco, de uma forma tão vaga, é tão fácil viver assim que não consigo mas fazer as coisas de outro jeito. Foi a coisa mais fácil de fazer, botar todo mundo pra fora e trancar a porta, quando tudo me dizia que eu devia fazer justamente o contrário. Sou mais que nunca o homem de lata da Sue.

segunda-feira, outubro 15, 2007

Em Quatro Dias

Acordei sobresaltado, já estava dormindo quando me dei conta que ia esquecer de você. Seria bem típico de mim, né? Sempre esqueço datas, tá, nomes também, eu sei que esqueço nomes também. Ou então vou passar os próximos quatro dias fazendo questão de lembrar e quando chegar o dia, ele passa em branco, conheço meus defeitos. Vou pregar post-it´s pela casa, você não tem com quê se preocupar. É, viu como eu tô tentando me organizar? Pelo menos esse defeito eu posso tentar consertar, os outros eu debato com a psicóloga, isso se ela der uma brecha entre as reclamações do marido. Você vai ver, vai acordar com a surpresa do cheiro das flores, nem vai notar a hora que levantei, vou sair cedo e comprá-las. São margaridas amarelas, eu nunca esqueci. Um dia vou entregar as mil, todas de uma vez só. Vão ter flores até no aquário. Sei lá, a gente joga pras pessoas que passarem na rua ou abrimos a janela e a porta da frente e elas transbordam. Sim, tudo isso é pra te provar que eu não esqueço mais. É... mereço.

sábado, outubro 13, 2007

Anos à Frente

Ele pôs a mão no meu ombro, visivelmente preocupado "Por que cê tá chorando?", eu só consegui sorrir um pouco e dizer "Eu fugi. Eu, finalmente, fugi", nunca havia comentado que os meus planos para o futuro se chamavam "Plano de fuga". Agora estava ali, fugido, só meio fugido na verdade, porque todo mundo sabe onde eu fui. Porém, alguns milhares de quilômetros dão uma sensação de fuga satisfatória. Fico olhando o céu, idêntico ao que deixei por lá. Será que fica avermelhado quando ameaça chover à noite? Será que costuma chover à noite? Preciso me alfabetizar quanto a esse lugar. É frio, mas isso eu já esperava. Esqueci do que eu pretendia fugir, mas uma felicidade bem pequenininha me toma, então tenho certeza de que fiz bem. Ele me esperava há meses, foi o único até hoje que percebeu "... uma tristeza natural em ti". Levanto e vou pra cozinha, ele está sentando, coloco as mãos nos seus ombros, olhos fechados, a testa encostando na cabeça dele, digo bem baixinho "Eu não volto nunca mais".

domingo, outubro 07, 2007

Momentos Kodak

- Nós não temos afinidades.
- Mas tu és o meu irmão favorito.
- Mas a tua outra opção é a Silvana...
- É...

domingo, setembro 30, 2007

Momentos Kodak

- Ai, o menino estava difícil hoje.
- Por mim, parte ele em dois e enfia de volta no útero da mãe, pra ver se dá pra devolver.
- Leandro...

Momentos Kodak

- Ai, a louca não vai se mudar daqui nunca?
- Oh meu filho, não fala assim dela que isso chama.
- Que chamar o que mãe? O que quer que estivesse pra vir, chegou faz tempo, ela tá doidinha.

quarta-feira, setembro 26, 2007

Atualidades

- Que cê tá fazendo aqui? - ela está surpresa, os horários são precisos e ele sempre chega as seis.
- Vim te ver - ele sorri
- Estou pasma - levanta, coloca uma cadeira pra ele próximo a sua.
- Estou sendo controladamente espontâneo, o truque é fazer tudo parecer muito natural.
- E o que aconteceu com o genuinamente espontâneo?
- Ultrapassado.
Ela não contém uma gargalhada, segura o rosto dele com as mãos e lhe dá um beijo, breve e carinhoso. Pega sua bolsa, desliga o computador.
- Vem.
- Pra onde nós vamos?
- Tomar sorvete.
- Sorvete?!
- É, estou sendo programadamente romântica.
- Pelo amor de Deus mulher, e onde está o verdadeiro romance?
- Ausente, faz tempo - seus olhares se cruzam, ela tem um sorriso no canto dos lábios - igualzinho Deus.
- Sorte que nós temos substitutos a altura - ele sorri, a segura pela cintura e levanta-a do chão.

segunda-feira, setembro 17, 2007

Ela

Perto dela eu me sinto feliz. Quando estamos juntos eu esqueço, acho que ela esquece um pouco também. Tento forçosamente fazê-la compreender que eu sou o que falta na vida dela. Perto dela eu falo e ela nem precisa me pedir pra falar. Quando eu escrevo ela tá lá. Já dei metade de toda a minha felicidade pra ela guardar, esse foi o meu depósito e só ela sabe do que eu tô falando. Outro dia me disse que tinha saudades e eu calei, mas foi porque fiquei emotivo e homens de lata não ficam desse jeito, ela me roubou o chão. Junto com ela eu ando bastante, sempre falando, falamos o tempo inteiro, com ela eu falo tudo que eu não falo com os outros. Perto dela é assim.
cause I´m a better man, moving on to better things

domingo, setembro 16, 2007

Sonhos (Sempre Estranhos)

Sonho acordado, principalmente na hora de ir tomar banho, sonhos estranhos, minhas mãos ainda estão na pia, mas o reflexo coloca a língua pra fora, passa o barbeador até sangrar, eu pisco e ele já está passando a lâmina pelo rosto. Lavo o rosto e o reflexo se comporta, mas enquanto eu faço o bigode ele corta o rosto de novo, parece se divertir. Só me ocorre que o normal deve ser sonhar acordado com sexo ou masturbação. Mas eu gosto quando tá tudo pegando fogo, em sonho a gente não se queima, só sente um pouco de calor.

sexta-feira, setembro 14, 2007

Momentos Kodak

- Não curto esse cara.
- E daí? Tu não curtes ninguém.
- Mas alguns eu curto menos ainda.

terça-feira, setembro 11, 2007

Desvio para o Vermelho

Desculpa, mas eu percebi que não vou conseguir perdoar teus atrasos. Não consigo lidar com o livre arbítrio alheio e a possibilidade dele me magoar. Descobri, sou um ser humano completamente desprovido de meios para lidar com os outros, eles me agridem com facilidade e sem nem ao menos se dar conta disso. Essa fragilidade nos outros assusta. Porém, percebê-la em mim é ainda pior. Sinto um frio por causa dela, mas alguém culpa a minha magreza pelo frio e me sinto mais longe deles. É o desvio para o vermelho, quando você se dá conta de como tudo aquilo estava te afetando, e quando olha pra trás ele só aumenta. É por isso que eu só consigo ficar sozinho.

segunda-feira, setembro 10, 2007

Casamento

- Nós precisamos deixar algumas coisas claras - Ela parece decidia, como se estivesse pronta a fazer exigências.
- O quê?
- Eu acredito em Deus.
- Você?! Sério? - as sobrancelhas denunciam uma surpresa maior do que ela esperava.
- Sim, eu, tá vendo, sabia sabia que você ia reagir desse jeito.
- Desse jeito como?
- Com sarcasmo.
- Deixa de ser paranóica, eu fiquei surpreso, só isso.
- Sei...
- Não tenho problema algum com pessoas que acreditam em Deus, até gosta de várias delas.
- E eu sou uma total retardada socialmente, quase não consigo lidar com pessoas que dirá com os sentimentos delas?
- Mais alguma coisa?
- Sim...
- O quê?
- Ah, sei lá, tem uns seis bilhões de seres humanos no planeta, se eu não trepar pelo menos com uns mil, vou sentir como se não tivesse vivido.
- Doida...
- Mas ao mesmo tempo. Eu penso...Eu acho que... Bom - ela baixa os olhos, fica um pouco corada, gesticula muito, tentando organizar as idéias com as mãos - eu me pergunto todo os dias se eu realmente te amo, porque eé capaz de todo esse tempo que já passou ter transformado o sentimento, amor é algo hormonal, ele tem tempo de duração, igualzinho a paixão, mas eu sempre chego a conclusão de que no final das contas que sim, eu amo...
Ele dá um sorriso largo e a abraça

quinta-feira, setembro 06, 2007

O Tempo

O gato deitou no tapete, tentado se aquecer e escapar do vento gelado que invadia a sala pela janela. Ana não se movia, ficava sentada à janela observando aquela mesma chuva torrencial de todos os dias, sempre no mesmo horário, às três, logo após ela se levantar da sesta.
Há três meses que todos os dias eram assim, logo depois que a chuva passasse o gato iria se enrolar em sua perna e ela o traria para o colo, continuaria olhando pra fora, vendo a nuvem de chuva se afastar para a baía, fazendo o horizonte adquirir uma tonalidade acinzentada. Dava pra ver as mulheres recolhendo as roupas do varal e um grupo de moleques que sempre saía pra jogar na lama.
Nesses exatos três meses, em que as tardes eram preenchidas coma apreciação do mundo, Ana passava as dores de sua primeira desilusão amorosa, Ana amava Mário, que amava de volta, pelo menos até o primeiro mês em que ele esteve longe. Esperava casar-se assim que ele voltasse da universidade em outro estado. Não voltou, e para Ana mandou uam carta, revelando seus novos planos, nos quais ela havia sido substituída por uma moça chamada Adélia, a qual não tinha culpa alguma e era uma boa moça, tão boa quanto Ana, e se havia de ter algum culpado, esse só poderia ser o destino.
Tempo, tempo iria fazer tudo ficar melhor, isso lhe foi garantido por todos, inclusive por Mário em sua carta desmanchando seu antigo compromisso. Então, a moça resolveu esperar o tempo passar. No primeiro mês, tudo ainda estava recente demais, no segundo ela só tinha a certeza de que ainda doía bastante e passou a olhar tudo aquilo que se podia ver da janela do seu quanto, no segundo andar da sua casa. No terceiro mês, a dor continuava igual.
Espantava-a como tudo sempre parecia ocorrer sempre da mesma forma. Até que um dia, no vigésimo sétimo dia do terceiro mês, ela notou uma pequena flor que crescia no muro da casa em frente a sua e que foi levada pelo vento. No vigésimo oitavo dia, ela estava de volta e supreendentemente, foi levada por uma lufada de vento, não podia ser coincidência, porém, para se certificar, no vigésimo nono dia, ela prestou atenção em todos os detalhes, e como esperava tudo se repetiu, tudo exceto ela.
Ela contou os minutos no relógio, a chuva sempre caía às três, então ela passou a olhar também para o ponteiro dos segundos e esse também mostrava que às três em ponto era extamente.Ela percebeu algo talvez banal, todo dia era exatamente igual ao outro, porém essa constatação era justamente o que havia de mais extraordinário acontecendo. Todo dia era exatamente igual ao anterior. (Talvez continue)

segunda-feira, setembro 03, 2007

In This World

O tempo passa de forma diferente dependendo de onde você está e da forma como você se movimenta - não estou inventando, isso faz parte do postulado da teoria da relatividade geral, sim aquela do Einstein. Aqui, às vezes, parece que ele não passa, quando alguém me pergunta sobre as perspectivas para o futuro, a única coisa que consigo responder é que espero ser velho, velho e rabugente, já que eu sou novo e rabugento, rabugento funciona bem pra mim.
É impossível saber como as coisas vão ser, tão impossível quanto saber como elas poderiam ter sido, se a dez anos atrás alguém me perguntasse onde eu estaria dali a dez anos, eu teria certeza de que seria adulto, então isso quer dizer que eu teria de ser adulto agora, mas não acredito que este seja o caso. Se fosse há sete anos atrás, eu deveria estar entrando no doutorado em genética. Se fosse apenas há três estaria em uma agência de publicidade. Se fosse ano passado eu já estaria admitindo não fazer a menor idéia do que esperar para o futuro. Nem mesmo a esperança de uma súbita epifania, isso é um equívoco: criar esperanças de que um momento singelo ou um breve encontro vá mudar toda a sua perspectiva sobre a vida, esses, em sua maioria, ficam restritos ao cinema.
Ando tentando, disso pelo menos eu tenho certeza, ando tentando.

sábado, setembro 01, 2007

O Barco (final)

Desde que o barco apareceu a criança passava mais tempo nele do que em qualquer outro lugar, as outras ou tinham medo ou foram proibidas de chegar perto. Por um tempo o seu aparecimento trouxe certa notoriedade àquele bairro esquecido, que durou até o tempo de se tornar notícia velha.
Todos os dias trazia aquela flor, única, que só nascia num pedaço de chão dentro do barco, protegida do sol carrasco que iluminava por ali. Certa vez o monstro chegou mais cedo, perguntou onde estava o filho, assim que soube o que acontecia viu-se inconscientemente em uma situação privilegiada para deliberadmente prejudicar o filho. Pegou um machado para derrubar aquela aberração, a criança teria se oposto caso a mãe não a tivesse impedido. Não demorou para o barco ser destruído e a selvageria do homem ser parcialmente aplacada.
No dia seguinte todos ficaram alarmados, porque, sem que ninguém percebesse, o barco havia magicamente se refeito durante a noite, como se jamais houvesse recebido um ataque furioso de um homem de força descomunal. Descrente, ele resolveu repetir o ataque do dia anterior, mas no dia seguinte 'ele' estava lá, o novo inimigo estava lá.
O pior aconteceu num domingo, deixou a mulher e filho em casa e foi para um bar. Porém, a bebida não o fazia esquecer que 'ele' estava lá, na verdade fazia pior, ele não conseguia pensar em outra coisa que não fosse o inimigo infernal. Resolveu que daria cabo dele definitivamente, comprou um galão de gasolina. Trançava as pernas, mas manteve a força nos braços.
Esbravejava impropérios à um homem inexistente enquanto jogava a gasolina no barco, sem saber que escondido, no canto escuro onde colhia a flor todos os dias, estava seu filho, paralisado de medo com a voz do pai. As chamas começaram a consumir o barco e a criança gritou por socorro, mas seu pai gritava para o barco, seu inimigo, que este jamais teria salvação. Quando o fogo alto e a gritaria chamaram atenção dos vizinhos e de sua mulher na casa, todos foram para rua ver o que acontecia.
Assim que chegou próximo ao marido pôde ouvir os gritos do filho, segurou-o pelo braço, gritando "O que você fez com meu filho? Seu monstro, você é um monstro, desgraçado", ela teria continuado, mas ele, finalmente desperto, percebeu o que havia feito, lhe deu uma pancada tão forte que deixou seus dentes moles, antes de desmaiar ela ainda viu o fogo laranjado consumindo o barco. Ele fugiu e jamais foi visot outra vez. Os vizinhos a levaram para sua casa ainda desacordada, ninguém conseguiu apagar o fogo. O corpo da criança não foi encontrado, mas ninguém duvidava de sua morte.
Ela chorou por muito tempo, ao acordar encontrou em cima do lençol aquela mesma flor que lhe era trazida todos os dias, procurou o filho cheia de uma esperança desesperada, mas não o encontrou, era impossível. Seguiu com sua vida e eventualmente morreu, sozinha. A vaga existência tanto sua quanto de seu filho e marido e de um barco foi logo esquecida.

quinta-feira, agosto 23, 2007

Momentos Kodak

- Ah meu Deus, ela tá chorando vem pegar ela.
- Pega a criança.
- Eu não, ela tá chorando.
- Sim, e tu só vais ficar com ela quando for pra brincar?
- Ei, ela tem pai e mãe.
- Tu és o tio, deixa de frescura.
- Olha, quando ela tiver quinze anos e vier chorando porque o namoradinho terminou com ela eu converso 'Olha, não fica triste, ele provavelmente vai crescer e se tornar um homem heterossexual chato e desinteressante. Além disso, você fica livre de fazer sexo até pelo menos os trinta ou até a defesa do teu doutorado o que vier por último. Sexo é ruim, você pode até morrer, acredita em mim'. Antes disso eu só faço a parte divertida.

quarta-feira, agosto 22, 2007

Momentos Kodak

*Som dificilmente traduzível em palavras*
- O quê? Ah meu Deus, por que tu não tens uns 5 anos hein?
*Som dificilmente traduzível em palavras*
- E não me olha desse jeito não, caso eu precise te lembrar tu ainda usas fraldas.

Momentos Kodak

Com voz infantilóide:
- Mas tu és inútil não sabes nem dirigir.
Com voz entojada:
- E tu és burra e desagradável, então nós empatamos.
***
- Nada de ir na banca, ficar comprando essas besteiras.
- O quê? Livros?
- Tu não tens mais idade pra essas coisas?
- Por quê? A habilidade de leitura diminui coma idade? Isso deve ser verdade se for considerar a velocidade que tu levas pra terminar qualquer livro...

Momentos Kodak

- E que tu estás fazendo meu filho?
- Eu? Ah, eu tenho trabalhado com pesquisa em co...
- Isso é chato.
- O QUÊ?
- Tu tens de fazer que nem teu primo, tem 25 anos e acabou de passar no concurso vai ser juiz do trabalho, ganhar 28 mil por mês, isso que é emprego.
- Você precisa fazer direito pra ser juiz pai...
***
- Por isso eu até pensei em voltar a falar com ela, mas não vael a pena.
- Tu não falas com a tua irmã?
- Há dez anos...
- É pai, eles não se falam faz dez anos.
- Ah, vocês sabem que eu não presto atenção nessas coisas.

sexta-feira, agosto 17, 2007

Momentos Kodak

- Não faz essa cara meu filho
- É nojento.
- Mas se você tivesse sido amamentado...
- O QUÊ? Que ia acontecer se eu tivesse sido amamentado?
- Ah, você seria uma pessoa mais amável.
- É, eu acho que os psicóticos também não devem ter sido amamentados ...

terça-feira, agosto 14, 2007

Insône

- O que você estava dizendo?
- Que eu vou morrer.
- Ah meu deus, aconteceu alguma coisa? Você está doente?
- Não, só vou morrer.
- Que absurdo.
- Não, está marcado, aos quarenta e sete anos e dez meses.
- Por que não quarenta e oito?
- Porque eu prefiro quarenta e sete e dez meses.
- Mas você vai estar morto, não vai fazer diferença.
- Mas agora faz e eu quero quarenta e sete e dez meses.
...
- Há quantos anos nos conhecemos?
- Dez meses...
- Sério? Só isso?
- Sim, só dez meses
- Ha, mas eu sinto que faz vários anos e isso que importa.
...
- O que vai acontecer?
- O que vai acontecer o quê?
- Pra você morrer.
- Ah, nada.
- Como nada? Não se morre de nada.
- Ah, eu decidi que vou parar, então vou morrer.
- Acredito que as coisas não podem ser bem assim.
- Como não? Na natureza acontece o tempo todo, chama senescência. Decidi que aos quarenta e sete eu parto dessa vida.
- E dez meses.
- O quê?
- Quarenta e sete anos e dez meses.
- Ah sim, quarenta e sete e dez meses.
...
- E você decidiu parar tudo desde agora?
- Tudo não, até lá vou vivendo.
- Mas não vai fazer mais nada?
- Pra quê? Eu tenho hora marcada pra morrer.
- E você vai parar de viver desde agora?
- Ah, eu não acredito que você vai me jogar sentimentalismo de 'A vida é para ser vivida' isso é cafona demais.
- Acho que então deveríamos parar com a terapia.
- Por quê?
- Porque você vai morrer, ora.
- E você vai negar terapia a um morimbundo?
- Você só piorou depois que começamos o tratamento.
- Quem disse?
- Bem, antes de vir pra cá você não tinha desejos de morta.
- E isso que dá fazer terapia com conhecidos.
- Além do mais a sessão de hoje já terminou faz dez minutos.
- Ah, é assim. Você está terminando comigo?
- É, isso já não tá dando certo.
- Canalha.
...

terça-feira, julho 31, 2007

O Barco (continuação)

Quando seu filho nasceu, ela experimentou pela primeira vez algo próximo do que se convenciona ser a felicidade, para ela um sentimento discreto, contido, porém, indubitavelmente profundo, delicado e concreto. Esse acontecimento a fez descobrir o prazer que há em cantar. Assim passavam os dias e suas tarefas domésticas com um cantarolar sem letra, que embalava o bebê pela maior parte das horas do dia.
A presença da sogra, imposta pela mesma, mostrou-se na verdade bastante útil e agradável. Ainda que não entendesse o motivo da mudança, pois mesmo não sendo rica, ela não tinha necessidade de morar com os parentes, e também gozava de boa saúde, creditava à falta de companhia a razão da mudança.
Moravam em uma casa pequena, numa parte quase desabitada da cidade, havia um grande descampado atrás da casa, onde só cresciam grama e umas poucas árvores de pouca beleza. Era terra de ninguém, a medida que as pessoas chegavam faziam suas habitações da melhor maneira que podiam, um prenúncio do caos de algumas décadas ainda por vir.
Acreditando que tudo andava na mais perfeita ordem, ela foi incapaz de notar a alteração do marido, encarava o aparente descaso para com o filho, apenas como um reflexo da sua personalidade pouco afetiva. Entretanto, sua sogra notava o real desprezo que ele sentia pelo recém-nascido, ela via nos olhos do filho o ciúme que começava a lhe degradar ainda mais o espírito.
Um certo dia, notando a tensão entre a sogra e o marido no quarto da criança, que fora surpreendido com uma mão na gargantada criança, ainda que sem apertá-la, perguntou o que acontecia, mas o sorriso da senhora desfez a tensão lhe dizendo "Pois acredita menina, que teu marido foi capaz de esquecer o remédio dessa velhaca que quase não consegue andar por causa da coluna estragada".
O menino cresceu e aos três anos, como toda criança, agia como um pequeno príncipe que só consegue dar real atenção àquilo que lhe interessa. Fisicamente idêntico ao pai, mas com os olhos e o temperamento, passada toda a melancolia, genuinamente afável da mãe. Entretanto, os três anos de idade é a idade em que o ser humano começa a se dar conta do mundo, mas ainda é desastrado e descuidado como um animal. Por mais de uma vez o menino escapou de uma surra do pai por intervenção da mãe ou da avó.
Essa também é a idade dos desejos mais curiosos para um ser humano. Determinada noite, ela percebeu a aflição do filho que tentava equilibrar uma vassoura para o alto. Depois de explicado que ele tentava alcançar as estrelas sua mãe sorriu e lhe disse "Tudo bem, você pode tentar pegá-las, mas somente as que se encontram no nosso terreno, porque as demais não nos pertencem".
No mês de outubro a velha teve o que reconhecia como o anúcio da proximidade da sua morte, recusou-se a visitar um médico e esse, quando foi trazido até ela, atestou que para sua idade ela estava com a saúde perfeita, arriscou até lhe conceder mais uns dez anos de vida. Em novembro, numa manhã de sol tímido e com muitas nuvens, chamou a nora no quarto e avisou que chegara sua hora. Diante da dor ela não sabia o que fazer, a não ser se permitir lágrimas num choro mudo. A velha segurou-lhe a mão confortadoramente, virou o rosto para fitar-lhe os olhos "Não se preocupe minha filha, é como dormir".
Uma semana após a morte, a criança passava próximo a mesa, arrumada para o jantar, a possibilidade de finalmente dar vazão a violência lhe causou uma volúpia que lhe era desconhecida. Olhou sua mulher de costas para a mesa, ocupada com o jantar, empurrou lentamente com o indicador o prato mais próximo ao menino, o estardalhaço do prato de quebrando fez com que ela se virasse do fogão, somente pra assistí-lo levantar-se com a mão levantada, incapaz de impedir que ele agredisse a criança, que bateu na parede com a força do golpe. Naquele dia ninguém jantou e pela primeira vez desde que haviam se casado, eles dormiram seprados. Ele no quarto do casal, experimentando o prazer que a violência causa, e ela com seu filho.
No outro dia fazia bastante sol, o menino logo cedo foi brincar fora de casa, ninguém se falou. Felizmente, a idade lhe dava a indulgência de uma memória ainda fraca ou pelo menos a capacidade de ignorar os acontecimentos em detrimento de coisas mais felizes. Voltou para casa com uma flor para a mãe. Curiosa por saber de onde ela vinha, já que não se recordava de flores no descampado, perguntou onde o filho a conseguira, ao que veio a resposta imediata "No barco". Intrigada, ela passou pela porta dos fundos para procurar flores no descampado, porém, ficou imóvel ante a visão de um barco, um pouco menor que um de porte médio, que parecia sair da terra, como se há muito tempo ela tivesse o engolido e após tremores cuspido metade dele de volta.

segunda-feira, julho 30, 2007

Tainá, Ana e Eu

- Ah, meu avó foi o Mestre parente, ficou conehcido por te construído muitas casas, a arquitetura tá no histórico familiar.
- Que legal, o meu avó era índio, foi mateiro pro Goeldi, responsável por uam boa parte da coleta do amterial botãnico de lá, tem até uma placa pra ele.
- Ah... O meu avó tomou uma garrafa de pinga todo dia até morrer de câncer... O que foi?! Eu fiquei bastante impressionado quando soube disso.

domingo, julho 29, 2007

Me dei conta da quantidade de amigos meus que foram embora, alguns só viajam , mas boa parte foi embora de vez. Não me importo de ficar em Belém, mas com certeza não gosto de me sentir deixado para trás. Aprendi que ficar sozinho é difícil, por isso mesmo que há de se sentir a a solidão. O problema é que me desacostumei das pessoas, perdi o tato para com todas elas. Parece que as minhas cordas vocais atrofiaram, engulo um pouco de saliva pra tentar falar e me desespero com o silêncio constrangedor, o solo racha, um continente se forma e, no tempo de tentar abrir os lábios, cada um ficou para numa margem. Sinto as juntas endurecidas, congeladas.
Mas o que me preocupa mesmo é o coração, parece o tempo inteiro que eu parei e tudo continua andando muito, muito rápido e a inércia não me permite andar. Sinto que ele, o coração, foi parando também, e quem consegue me enxergar acha que ele endureceu, porém, eu não consigo explicar o que aconteceu com ele.
Ficar parado é ruim, te faz pensar em tudo, ver até o seu lado mais feio, e todos sabem o quanto o humano tem repulsa ao feio, disso admito que não consigo escapar. Entretanto, o que me aflige não é o feio dentro de mim, o que me dói é o lado que sente a repulsa, o ser humano ruim, que não consegue se comover, esse me preocupa. Incapaz de uma lágrima, incapaz de se enternecer. O que me dói é conhecer o monstro dentro de mim, mesquinho e tacanho, e nem dele ser capaz de falar. Tento exumar sentimentos felizes para ver se esqueço dele, mas esse é um mal que está lá, mesmo no escuro está lá.
O tempo vem matando até mesmo minhas crenças, a despeito da minha falta de religiosidade, jamais deixei de crer em Deus. Não deixo de crer agora, só acredito que ele já se foi faz muito tempo, essa é uma certeza agravada pelo tempo.

terça-feira, julho 24, 2007

O Barco (continuação)

Encontraram-se algumas outras vezes e a reciprocidade de sentimentos era inequívoca. O velho dono da livraria tentou avisá-la "Minha filha, não importa se antes ele não usava casacas e agora as veste, ele é um monstro e vai continuar sendo um. Até a mãe dele bem o sabe", porém, o deslumbramento da paixão fazia-a evitar o bom senso, mesmo que esse lhe agitasse placas durante o dia.
Não demorou muito para que se casassem, houve uma cerimônia simples, por algumas horas o desamparo parecia ter abandonado o olhar da moça e ao homem deve se dar o crédito de ter passado um dia inteiro disfarçando sua truculência. Entretanto, mesmo com toda a alegria daquele dia, o que ambos ignoravam era a grande tristeza que tinham e essa, talvez, fosse sua ligação mais forte.
No início, passado o estranhamento da falta de intimidade, amor e sexo eram a mesma coisa e assemelhavam-se a fome. Com o tempo já nem sabiam porque faziam amor, era apenas o desfecho do dia.
Alguns anos depois, ela já se resignara a constatação de sua infertilidade, a regularidade e quantidade de suas relações e pelo menos dois abortos expontâneos, lhe davam essa certeza, não de todo inesperada. Até que o destino, em mais uma de suas reviravoltas inexplicáveis, lhe concedeu todas as agruras de uma gravidez levada a cabo. Após o parto, de um menino saudável ainda que um poco pequeno, teve a surpresa da anunciação da mudança de sua sogra para junto do filho e da nora.
-Continua, sei lá porquê, mas continua-

quarta-feira, julho 11, 2007

Eu e a Ana

- Não raphael, o último power rangers é o dos policiais que viajam no tempo.
- Não Ana, cê tá confundindo o power rangers patrulha do tempo com os super patrulha delta, esses sim são os últimos.
Olhar desconfiado - Tu sabes que eu tenho uma filha de 9 anos e isso me dá uma desculpa perfeitamente plausível pra conhecer power rangers né? Qual a tua?
- Ah...Eu...Tenho muito tempo livre tá. Não enche...
*A temporada atual é Power Rangers Força Mágica

terça-feira, julho 10, 2007

O Barco (faz muito tempo que estava na geladeira)

Seu primeiro encontro foi obra do acaso, um momento de certo constrangimento para ambos, quando se anda na mesma direção de uma pessoa e ao tentar desviar acabam ambos indo para o mesmo lado. Ele não foi cavalheiro lhe cedendo a passagem, foi bastante ríspido franzindo o cenho e andando na outra direção, mas ela não pode notar pois olhava timidamente para baixo. Entretanto, isso tudo só aconteceu após seus olhares terem se cruzado, o que teria poupado ambos de infortúnios futuros, talvez não, afinal, não se pode saber como as coisas poderiam ter sido.
O primeiro desses infortúnios foi a paixão, reconhecida de imediato por ela, ele a confundiu com um estranho nervosismo, sua mão esquerda tremia leve e involuntariamente quando estava nervoso e essa era uma de suas poucas demonstrações de sentimento da qual apenas sua mãe estava a par, e era uma demonstração involuntária. Cerrou o punho e seguiu seu caminho. Ela era uma mulher infeliz, tamanha era sua infelicidade que todos os outros infortúnios da vida haviam decidido abandornar-lhe, jamais passara fome ou qualquer outra privação, porém, exceto quando do nascimento de seu único filho, fato guardado um pouco mais para o futuro, jamais experimentara um momento de felicidade por mais fugaz que fosse. Quando a providência lhe trouxe uma esperança de amor fez o que qualquer infeliz faria, agarrou-se o mais forte que pode.
Ela teve sua primeira experiência de jovem apaixonada, supirando e procurando-o com o canto dos olhos enquanto trabalhava na livraria. Esperava uma segunda oportunidade de vê-lo. Ele evitava aquele caminho a todo custo, sempre que lhe vinham à mente os olhos azuis melancólicos da moça sua mão tremia, com o tempo passou a sentir seu corpo gelar, uma sensação que partia das extremidades até alcançar o coração, causando-lhe um certo terror devido a aceleração do pulso. Mesmo assim, ele as vezes fechava os olhos e conseguia ouvir as passadas com exatidão, depois o brilho do azul do vestido sob a luz esmagadora do sol da tarde, o busto sombreado pelo guarda sol, terminando nos olhos, sempre terminando nos olhos.
Sua mãe, a única que conseguia compreender os silêncios e a rispidez do filho, notou a transformação que os dias operavam no homem. Sentou-se à mesa com sua caneca de café, tomou um gole pequeno e, sem as cerimônias de um detetive que desvenda um grande mistério, lhe explicou o que acontecia "Você está apaixonado", ele levantou o olhar com um expressão de dúvida "Você quase não come, olha pela janela a toda hora e agora anda o tempo todo limpo. Você está apaixonado meu filho. Ou isso ou está com verme. Em todo caso aqui tem uma pílula do mato, mas se eu estiver certa de primeira, sugiro que você fale com ela". Ele levantou-se e tomou a pípula "Leva o guarda chuva que vai chover".
Começava a anoitecer quando ela saiu, não se via o sol terrível daquela terra que punia em vida os pecados dali, mas também não se viam as estrelas e a lua, só nuvens avermelhadas como se fosse sangue e não água que lhe formassem. Andava sem pressa, já se acostumara com a idéia desconfortável de chegar ensopada em casa, um feliz equívoco, porque assim que os primeiros lhe tocaram os cabelos ele apareceu, nesse instante ela se deu conta que se apaixonara por um vulto de olhos castanhos, agora loiro, corpulento, aspecto rústico, porém, bonito. Falaram pouco, caminharam sem pressa na chuva.
-Depois eu continuo

domingo, julho 01, 2007

Neruda

Acredito que o sentimento seja esse:

III
ÁSPERO AMOR, violeta coroada de espinhos,
cipoal entre tantas paixões eriçado,
lança das dores, corola da cólera,
por que caminhos e como te dirigiste a minha alma?
***
Por que precipitaste teu fogo doloroso,
de repente, entre as folhas frias de meu caminho?
Quem te ensinou os passos que até mim te levaram?
Que flor, que pedra, que fumaça, mostraram minha morada?
***
O certo é que tremeu a noite pavorosa,
a aurora encheu todas as taças com seu vinho
e o sol estabeleceu sua presença celeste,
***
enquanto o cruel amor sem trégua me cercava,
até que lacerando-me com espadas e espinhosa
briu no coração um caminho queimante

domingo, junho 17, 2007

Amor - Rilke

Fico repassando a carta do Rilke para o Sr. Kappus, repetindo doentemente "amor é difícil, amor é difícil, amor é difícil, amor é difícil, amor é difícil, amor é difícil, o amor é difícil, o amor é difícil, o amor é difícil, o amor é difícil e por isso é bom...". É bom que seja mesmo, infelizmente não tenho a quem cobrar essa ameaça velada, que está mais para um desejo quase mudo. Desejo que um dia mesmo que de forma displicente entre o amor de novo na minha vida, não reclamo da falta dele, mas escrevo, sempre escrevo sobre sua falta. É curioso que eu expresse meu sentimentos mais claramente escrevendo quando sou sempre avaliado como confuso. É devoção. Ninguém mais entende o que é devoção, é difícil ter devoção por algo, ela consome, devoção ao amor é fatal.

segunda-feira, junho 04, 2007

Homem de Lata

Eu tava errado, você estava certa. Isso é tudo que eu posso dizer. Não é suficiente né? Me desculpa, não vão sair lágrimas, não vou entrar em desespero, eu não entro em desespero, eu não pulo na frente de carros nem qualquer ameaça de suicídio. Eu faço isso, eu venho até a tua porta, enchardo por causa da chuva, com os olhos marejados e vermelhos, admitindo que eu sou a criatura mais estúpida que já passou por esse planeta. Vim andando, se você quiser eu volto e faço tudo isso descalço, mas se nem isso for suficiente, me faz um favor: me diz que sou ridículo e me manda ir embora. Eu ainda quero domingos de chinelo e bermudão, eu ainda quero todos os teus filmes ruins. Não, eu não fico melhor sozinho, mais importante, eu não fico melhor sem você. Posso entrar...? Obrigado...

quarta-feira, maio 23, 2007

Home Sweet Home (Ficção Autobiográfica Hiperbólica)

Outro dia fui classificado como o filho "proletário", eu preferiria muito mais ser classificado de diletante, mas me faltam atributos artísticos para ser um. Fiquei intrigado sobre o significado de proletário nessa utilização e cheguei que significa que sou o pobre da história. Não que elas tenham muito dinheiro, mas com certeza nasceram com aptidão para trabalhar com ele, eu, infelizmente, só nasci com aptidão para gastá-lo.
Não considerei aquilo como uma ofensa, mas foi mais uma amostra do quanto é difícil não ter nascido com uma vagina dentada em uma casa em que todas elas parecem que estão prestes a te engolir. Pelo menos subi de posto, a progressão foi de autista para estranho para proletário, caso alguém tivesse curiosidade de saber.
Existem planos, infelizmente acredito que nehum deles envolve qualquer coisa incrivelmente bem sucedida na área financeira, mas com certeza uma distância minimamente segura das presas. Não que não haja alguma reciprocidade de sentimentos fraternos e maternos, só que a ameaça velada às minhas partes intimas e bastante estimadas - algumas vezes ao dia ao menos- desencoraja a progressão dos relacionamentos. Agora o que acontece se os planos derem errado?

sexta-feira, maio 18, 2007

Rilke

Na carta dizia "Volte-se paar si mesmo. investigue o motivo que o impele a escrever; comprove se ele estende as raíxes até o ponto mais profundo do seu coração, confesse a si mesmo se o senhor morreria caso fosse proibido de escrever. Sobretudo isto: pergunte a si mesmo na hora mais silenciosa da madrugada: preciso escrever? Desenterre de si mesmo uma resposta profunda. E, se ela for afirmativa, se o senhor for capaz de enfrentar essa pergunta grave com um forte e simples "Preciso", então construa sua vida de acordo com tal necessidade; sua vida tem de se tornar, até na hora mais indiferente e irrelevante, um sinal e um testemunho desse impulso..."
Ainda não consegui definir se as coisas para mim são assim. Antes eu nem pensava em escrever, comecei por acaso e descobri que essa é uma atividade que me consome, demoro a dormir porque fico pensando no que vou escrever, os pensamentos não me deixam descansar enquanto não forem tirados da cabeça e, no meu caso, passados para cá. Esse espaço, para mim representa escrever, e na maior parte do tempo uma das poucas coisa que eu genuinamente gosto de fazer. É curioso como algo que rouba o sono e o descanso também pode ser fonte de um prazer simples, mas viciante. Porém, para mim ainda falta essa reflexão profunda que responde uma dúvida que aind ame era desconhecida antes de ler essa carta. Agora fico me perguntando "É preciso?"

sexta-feira, maio 11, 2007

Caso do Vestido II

*Caso do vestido é um poema do Drummond, esse texto foi um trabalho para Literatura e Comunicação. O exercício era fazer em prosa uma versão da amante ou do marida (o poema mostra a versão da mulher).
***
Eu estava sentada na mesa quando a vi, ela veio até a minha casa de novo, dessa vez procurando por ele, mas há muito que já não o via, nem sabia por onde andava. Desesperou-se de novo, me pedindo para devolve-lo, mas lhe expliquei que não era mais meu, era do mundo de novo e que por lá ela deveria procura-lo. “Que fizestes com o coitado sua demônia?”, perguntou ela, “Muito pelo contrário, devias ter me perguntando o que eu não deveria ter feito. Não vês o quanto eu era distinta de ti, jovem e bonita e agora parecemos duas irmãs decrépitas” respondi.
Ela me olhou no fundo dos olhos e enchi-me de vergonha, cega pelo desespero nem notara o quanto irmãs tínhamos nos tornado. Contei-lhe tudo desde o princípio, quando ele me enxergara de passagem por sua cidade, naquela época em que os homens, para mim, não eram meus semelhantes, eram insetos que invariavelmente suicidavam-se na minha chama.
A malevolência da mulher, que faz um homem se render aos seus pés e enlouquecer, me era bastante familiar, mas a do homem, essa era uma completa estranha para mim. Pois mesmo a mais pérfida mulher jamais estará incólume de se apaixonar, mas o demônio na alma do homem é insensível, depois de obter o que quer esvazia-se de sentimento na mesma medida em que o outro se enche de esperanças de amor.
Eu não cederia as coisas estúpidas que ele, como todo homem, acreditava ser suficiente para conquistar uma mulher. Quando me veio com gabolices e juras vazias, mandei-o para casa. Depois queria comprar-me, encheu-me de ouro até que não conseguisse mais sair do lugar, tornando-se ainda mais aborrecido, mandei-o para casa mais uma vez.
Minha desgraça foram as amizades, que eu mantinha por perto muito mais por entretenimento, pois só se mantinham por perto para agourar os homens caídos. De tanto falarem, tentei olha-lo com outros olhos. Quando ela veio pela primeira vez, pedindo para que ficasse com ele, olhei-a com desdém, e disse-lhe com desfaçatez que o teria somente por causa dela.
Ele veio logo depois, continuava um tanto feio, com o olhar oblíquo e poucos cabelos, mas já não lhe era de todo indiferente. Deixei que ficasse ao pé de minha cama, mas logo estava por toda parte, tinha roupas e sapatos em meu armário e eu lhe preparava o jantar. Não me importavam mais colares e anéis, somente o homem deus que havia em minha vida.
Nos primeiros meses fui correspondida, adorada como uma deusa e amada também. Meu primeiro e único erro foi de uma inocência que não me era própria e, na verdade, desconhecida, uma jura patética de amor, escapuliu-me como se fosse um “bom dia”. Nesse exato instante, o brilho da paixão fugiu-lhe dos olhos, porém isso escapou-me aos olhos de mulher apaixonada.
O monstro do homem tomou-lhe as ações. Não ficava em casa, nem amava com a mesma intensidade, quase não me amava mais na verdade. Enlouquecida, roguei-lhe em desespero que parasse com aquela loucura, que me amasse como antes, mas só consegui que me olhasse com desdém “Tu és enfadonha”.
Ele levantou-se para ir embora, de joelhos me agarrei em seu corpo, implorando para que ficasse. Arrastou-me até que as forças me faltassem, segurando em seus pés e gritando que o amava, ele se soltou com um chute que quase me parte em duas. Fiquei jogada, chorando, vendo-o partir sem nem ao menos se virar.
Incrédula, sai procurado-o. Quase louca, entrei em igrejas pedindo ao Senhor que o livrasse de qualquer demônio que tivesse se apossado dele, mas o demônio era o do homem, e neste o Senhor não mandava. Encontrei-o algumas vezes, em todas fui rejeitada. Tentei toda sorte de convencimento, principalmente os desesperados, tentando fazer com que a pena o comovesse e fizesse voltar para mim. Porém, isso só lhe atiçava a crueldade, divertia-se com a minha humilhação “Então te matas por amor, assim levo teu corpo como troféu”.
Foi assim que nos tornamos irmãs. A dona se compadeceu de mim, abraçadas choramos por horas. Quando ia embora, perguntei-lhe das filhas, ela me contou que ainda eram pequenas, peguei o vestido que ele dizia ser seu favorito, havia guardado-o como lembrança, entreguei para ela e lhe disse “Leva, coloca num lugar onde tuas meninas possam ver. Para que elas jamais esqueçam quanta maldade há no corpo.”

quarta-feira, maio 02, 2007

Legalzão

Pois bem, cansado de ouvir sobre a minha legalzice e que é um absurdo estar solteiro, decidi complicar de verdade as coisas. Uma amiga tem uma série de pré-requisitos para o par perfeito dela, o meu tem de ter os seguintes:
* Ter lido pelo menos tantos livros quanto eu;
* Ter assistido pelo menos o mesmo número de filmes que eu;
* Respeitar o fato de eu acordar às 5:40 e ir para a academia e gastar em alguma academia pelo menos o mesmo tempo que eu gasto;
* Trepar ouvindo Lady Stardust, sabendo que música está ouvindo;
* Gostar dos meus amigos , mas não se envolver demais com eles, porque são MEUS;
* Não ter preguiça de ler o meu blog, mesmo quando é pura maldade o que está escrito;
* Não ligar pro meu guarda chuva gigante e desajeito com o qual eu vivo batendo nas pessoas;
* Ter menos t.o.c´s que eu;
* Não ser psicótico;
* Assistir Guerra e Paz e Munique comigo sem cochilar durante nenhum dos dois;
* Entender que eu não sou um pseudo-pobre deprimido, eu sou liso de verdade;
* Não usar nenhuma droga ilícita (caso daqui alguns a maconha seja descriminalizada ela permanecerá na minha lista);
* Aceitar que eu sou uma péssima companhia para comer (como pouco e sem muita variedade);
* Ter uma família menos doida do que a minha;
* Gostar de mim até nos dias de mal humor (sim, é muito difícil gostar de mim nesses dias);
* Não ligar quando eu surto (isso acontece com uma freqüência maior do que vocês imaginam);
* Aceitar que eu só vou parar de fazer peeling quando tiver pele de photoshop;
* Andar comigo, não se importando com a distância nem com a velocidade que me locomovo;
* Ficar comigo quando eu não quero sair a noite (algo bastante frequente também);
* Não bagunçar o meu cabelo quando tá grande, porque ele é fuá e não volta pro lugar de onde veio;
* Não reclamar porque eu não gosto de dormir pelado, tenho cuecas ótimas pra dormir e gosto de fazê-lo vestindo-as;
* Aceitar que não sou eclético, nada de de metal, nada de axé e pouco, mas pouco mesmo, de lesbian music;
* Eu sou pseudo-democrático, podemos discutir o assunto por quanto tempo for necessário, contanto que no final todos concordem comigo;
* Sou um quase zero a esquerda na cozinha (a Sue tá dando um jeito nisso);
* Aproveitando que ela entrou na roda, jamais, mas jamais se envolver com a Sue, ela configura entre os amigos, mas precisa de uma menção especial porque as pessoas costumam se envolver com ela, mas ela é MINHA;
* Ah, sou possessivo;
* A única forma de relacionamento amoroso que eu concebo nessa vida é o relacionamento monogâmico, isso inclui as fantasias sexuais;
* Sou um tanto quanto neurótico também.
Pronto, agora sim, pode ser dito pra mim "Poxa, mas tu estás sozinho porque estás querendo demais", há uma boa quantidade de motivos para isso...

segunda-feira, abril 30, 2007

Finais Felizes

Sim, me faltam finais felizes. Vocês queriam o quê? Eu tenho 24 anos, desempregado, solteiro e atualmente escrevendo com uma goteira quase na minha cabeça, ela fica um pouco mais para a esquerda e cai no móvel onde fica o meu pc, que não pode ser movido porque só cabe nesse espaço, geralmente molhando a lente dos meu óculos. Não tenho motivos suficientemente fortes para me fazer pensar em finais felizes, já que os de fora podem ter o seus, os que eu invento não têm então. Talvez eu faça mesmo parte dos pseudo-pobres-deprimidos, mas isso é totalmente involuntário. "Meu problemas e meus finais são meus. PONTO", também nem tem ninguém pra eu dizer isso, acho que no final das contas devem estar faltando muitos finais felizes por aí.

O Circo - Fim (mais um fora da geladeira)

Iniciado nesse post http://cosmo1265.blogspot.com/2006/07/o-circo.html e finalmente terminado
***
- Portanto preciso pedir que vocês dêem a volta, paguem seus ingressos e entrem pela porta.
Embora fossem crianças que não se assustassem com facilidade e não temessem sapos, Haroldo e Clarissa sentiram-se intimidados por um sapo daquele tamanho, com uma capacidade de vocalização excepcional se comparada ao "coach" normal dos outros sapos com quem tinham se confrontado até o presente momento. Mesmo intimidado Haroldo conseguiu pensar em uma resposta bastante lógica:
- Mas Sr. Sapo, nós estamos dentro, então não somos mais da sua responsabilidade.
O lábio do sapo ficou um pouco vincado no canto e seus olhos brilharam, como se uma brilhante idéia tivesse acabado de lhe ocorrer:
- Ora, mas vocês estão certíssimos, como vocês já estão dentro, eu não cometi nenhuma violação no meu contrato. Pois bem crianças, sentem-se onde bem entenderem - dessa vez com um sorriso largo e fazendo um movimento em arco com o braço como lhes oferencendo todas as cadeiras do picadeiro, o sapo lhes deixou passar.
Algumas pessoas já entravam e se acomodvam nas cadeiras, os irmãos se apressaram para conseguir bons lugares. O espetáculo começaria assim que todos os lugares estivessem ocupados, um casal de namorados que havia comprado seus ingressos mais cedo voltou desanimados para casa, pois quando o bilheteiro viu que os lugares estavam todos ocupados teve de lhes pedir desculpas e devolver-lhes o dinheiro.
Com todos acomodados as luzes foram desligadas, ouviu-se o som de fortes tambores rufando por todo o circo e uma voz muito grave se destacando de todos os outro barulhos se fez ouvir:
- RESPEITÁVEL PÚBLICO - alguns holofotes foram ligadas, iluminando o picadeiro, ocupado por um homem alto, de cavanhaque, que carregava um chicote e usava as roupas vermelhas e cartola de domador - VAI COMEÇAR O VERDADEIRO GRANDE ESPETÁCULO DA TERRA, O CIRCO MÁGICO
Os tambores em uníssono fizeram um único e grave som e as luzes foram religadas, nesse momento o picadeiro foi invadindo por cachorros malabaristas, a jaula do grande leão estava iluminada também e ele rugiu assutando algumas crianças, um pequeno fusca que buzinava uma música fora do tom zigue-zagueou pelos animais e quando parou, um número improvável de palhaços saiu de dentro. Somente uma parte do picadeiro não estava iluminada, deixando uma silhueta feminina pouco diferenciada nas sombras.
Haroldo e Clarissa observavam tudo com muito entusiasmo, até que um dos palhaços passou próximos aos irmãos e a menina notou que havia algo de errado. Mesmo sorrindo e fazendo palhaçadas, ele não conseguia disfarçar que seus olhos, negros e pequenos como contas não tinham brilho algum, mesmo com as belas estrelas desenhadas ao redor de cada um de seus olhos para disfarçar, Clarissa notou que eram contas e não olhos de verdade. Imediatamente ela chamou a atenção do irmão para o que acabara de perceber "Veja, o palhaços ele é de brinquedo", mas o palhaço já se afastara dos dois:
- Deixa de ser boba e pára de inventar besteiras.
Entretanto, nesse exato momento um dos cachorros acrobatas acabara de terminar um mortal bem na direção de suas cadeiras e o menino percebeu a mesma expressão triste e pior que a pelúcia do pequeno poodle estava muito mal remendada:
- Oh meu Deus, você tem razão.
Os tambores voltaram a rufar e as luzes se concentraram na jaula do grande leão. O domador entrou puxando um grande círculo preso a uma base com rodinhas consigo. Anunciando o próximo grande número:
- Senhoras e senhores, agora, o nosso bravo leão fará o perigoso número de atravessar o círculo de fogo - o domador se afastou e estalando o chicote contra o círculo, este se incendiou.
Os irmãos espremeram bastante os olhos para dar uma boa olhada no leão e isso lhes deixou aterrorizados, pois perceberam que o pobre leão era feito de um belo origami, mas que já tinha sua juba cheia de pequenas pontinha pretas, chamuscadas pelo tanto de vezes que fora obrigado a pular o terrível círculo de fogo. Clarrisa não se conteve, levantou-se da cadeira e gritou:
- Não, parem com isso, é crueldade.
Muitas pessoas em volta riram do que acreditavam ser a reação de uma garotinha com nervos a flor da pele, só uma senhora próxima colocou a mão no seu ombro e lhe deu um sorriso "Não se preocupe minha filha, o domador é um profissional, jamais deixaria algo de ruim acontecer ao leão". Haroldo abraçou a irmã, que com lágrimas nos olhos, escondeu o rosto no peito do irmão:
- Por que eles não conseguem ver?
O chicote estalou mais uma vez e o leão pulou, chegando ao chão deu um forte rugido, outro estalo o fez voltar ao seu lugar, mais uma pontinha de sua juba havia sido chamuscada ao passar pelo círculo.
O show continuou, um belo arlequim fez muitos malabarismos arriscados tirando o fôlego da platéia, os palhaços voltaram para novas piadas, até que os tambores voltaram a avisar o outro ponto alto da noite. As luzes se voltaram para iluminar o canto do palco onde a silhueta feminina se encontrava, mostrando uma jovem bailarina, toda de porcelana como unicamente Haroldo e Clarissa puderam observar, ela passara a noite inteira com os pés unidos na pontas assim como os braços. Uma bela música começou a tocar e ela a dançar, deixando todos na platéia boquiabertos. Os irmãos perceberam que ela estava presa por fios bem finos que estavam erguidos pelo teto. Quando a música terminou, as luzes na direção da bailarina se pagaram e ela ficou parada, na mesma posição em que a dança terminara, com a perna direita estendida para trás e o braço direito para frente. Não houve mágico.
Eles estavam entre os últimos a sair do circo, determinados a jamais pisar outra vez em um circo, quando o sapo entrometeu-se em sua frente barrando-lhes a saída:
- Esperem mais um pouco. Por que já vão embora?
Haroldo adiantou-se, apontando um dedo para o sapo, uma atitude agressiva que o menino dificilmente teria em outras circunstâncias:
- Eu e minha irmã não vamos mais ficar um minuto sequer nesse lugar horroroso. Nós vimos o que foi feito ao pobre leão, sem falar na coitada da bailarina, presa.
- Mas é exatamente para nos ajudar a remediar esses problemas que eu gostaria de lhes pedir que ficassem mais um pouco - disse o sapo lhes dando um sorriso amigável.
Os palhaços, vendo que algo estava estranho, aproximaram-se da saída. O arlequim tocou no ombro do sapo, olhando assutado para as crianças lhe disse:
- Sr. Sapo, o que está acontecendo aqui? Co-como essas crianças ainda estão aqui? Não me diga que você quebrou seu contrato? - a última frase dita com temor fez as crianças pensarem no que aconteceria se houvesse uma efetiva quebra de contrato, o que, felizmente, não era o caso:
- Mas de forma alguma eu quebrei o contrato. Ele é bem explícito, eu devo impedir que as pessoas tentem entrar escondidas e, como foi bem lembrado pelo jovem rapaz, quando encontrei as duas crianças, elas já estavam dentro do circo. Portanto, deixá-las ficar não constitui nenhuma quebra no contrato.
O arlequim eufórico, abraçou o sapo e atirou-o para cima e aparou sua queda:
- Mas isso é maravilhoso. Vocês...vocês vão nos ajudar crianças?
Antes que Haroldo expressasse alguma hesitação, Clarissa adiantou-se e deu forte aperto de mão no arlequim:
- Mas com certeza que vamos.
O barulho de botas pôde ser ouvido ao longe agora que o circo estava em silêncio. O arlequim apressou-se em fazer com que as crianças entrassem no fusca dos palhaços e a voz grave do domador se fez ouvir no picadeiro:
- Que algazarra é essa que está acontecendo aqui?
O resto dos palhaços correu e se bateram e andaram em círculos antes de conseguir entrar no carro que, estranhamente, comportava todos eles e as crianças confortavelmente:
- Nada senhor, são só esses palhaços bagunceiros, mas já estou dando um jeito neles.
Dentro do carro o arlequim começou a explicar para as crianças como após a morte do mago, que também era o mágico do circo, o domador de papel apossou-se do escritório onde ficam os contratos mágicos de todos os integrantes do circo e de acordo com os contratos nenhum funcionário do circo, com excessão do dono da sala, pode entrar lá. De imediato as crianças entederam qual seria o seu papel.
O domador aproximou-se da bailarina:
- Já mudou de opinião?
Ela levantou um pouco o olhar, mantendo o passo de balé em que se encontrava:
- Não.
- Olha bem, você vai ficar livre desses fios, vai ficar livre e vai ser dona disso tudo comigo. Eu assumi tudo por sua causa.
- E foi você também quem me prendeu nos fios - ela baixou de novo o olhar.
Ele lhe lançou um olhar irado:
- Pois bem, é por causa dele não é? Tragam o arlequim.
As crianças olharam para o seu novo amigo que lhes disse:
- Não se preocupem, enquanto eu vou lá, vocês dão a volta por trás do picadeiro, o corredor iluminado pelas tochas leva até o escritório, por favor, peguem os contratos.
O arlequim desceu pela porta contrária a que havia entrado e enquanto se dirigia até o domador. as crianças também sairam mas foram caminhando pelo outro lado, tendando fazer menos barulho possível, mas nem precisaram se esforçar muito para isso, pois o som das chicotadas que o arlequim tomava enchiam o ar. Haroldo parou um momento para ver a cena e percebeu que as lágrimas da bailarina brilhavam quando caiam do seu rosto até chegar ao chão.
Quando chegaram no corredor e não podiam mais ser vistas as crianças correram, até chegar à porta de uma sala. Pararam um instante para observá-la, era decorada com um papel de parede azul escuro com sóis e estrelas com rostos dourados desenhados, mobílias antigas e muitos papéis. Num porta retrato havia uma fotografia de um homem jovem de fraque, capa e cartola junto aos integrantes do circo, todos pareciam muito felizes. Na escrivaninha logo abaixo da prateleira onde se encontrava o porta retrato as crianças viram um bloco de papéis, todos iniciados com a palavra contrato.
Rapidamente pegaram todos, quando estavam saindo da sala Clarissa viu uma tesoura e também levou-a, pensando em cortar os fios que prendiam a bailarina. De volta ao picadeiro, assustaram-se com a selvageira que tomava conta do lugar
- Pare senhor, vai matá-lo.
Mas o pobre sapo levou um chute que o fez voar até a arquibancadas, inerte. Em volta do domador, mas sem coragem de intervir mais diretamente, os palhaços lhe rogavam que parasse com aquela loucura. O arlequim caído no chão já não tinha forças para se defender. Tomada de uma raiva crescente com a injustiça sendo cometida, Clarissa pegou uma das tochas e avançou contra o domador. Seu irmão tentou impedí-la, mas ela era foi mais rápida. Prostrou-se entre o domador e o arlequim, segurando a tocha de forma ameaçadora:
- Deixe-o em paz.
- Sai do caminho.
Se esquivando da tocha o domador empurrou a menina. Com o tombo ela deixou a tocha cair e se apagar. Vendo a irmã ser agredida, Haroldo pegou outra tocha e investiu contra o domador, que deu um urro de dor quando o fogo começou a consumir seu corpo:
- Venham amigos, pegamos os contratos de vocês.
Clarrisa usou a tesoura para libertar a bailarina que correu para ajudar seu amado arlequim. Nesse momento o domador reaparece, assustador com seu corpo pegando fogo:
- Eles não podem sair, é magia do circo que lhes dá vida, lá fora eles não são nada. AHAHAHAHAHAH. Vão todos morrer comigo - dizendo isso, ele lançou-se contra lona, que imediatamente começou a ser consumida pela chamas:
- Ele está mentindo, não está? - perguntou Clarissa entrando em desespero.
Os semblantes tristes dos palhaços revelava que não:
- Sem nossos contratos ele não poderia mais exercer poder algum sobre nós, mas ele está certo, fora do circo nós não existimos - disse o arlequim com tristeza.
- Agora vão, obrigada por tudo que tentaram fazer por nós - a bailarina lhes deu um sorriso de sincera gratidão.
De longe os irmãos puderam ver o circo ser consumido pelas chamas e se despediram da silhueta única que o casal abraçado formava. Mesmo o fogo tendo consumido tudo não sobraram cinzas, só o canteiro de flores indicava onde o circo havia se instalado. Haroldo e Clarissa encontraram uma pequena estátua de um casal, chamuscada e quase irreconhecível. No outro dia ninguém tinha lembrança alguma de que um circo passara pela cidade.

sábado, abril 21, 2007

De Madrugada (mais outra)

Dormiu antes do programa terminar, àquela hora no quarto só havia a iluminação da tv fora do ar, luz fria, concentrada em uma parede, deixando o resto no breu. Abriu os olhos devagar, sentou na cama e olhou-o, o torso nu e peludo, a barba cerrada, invejava o sono despreocupado que ele tinha. Levantou, andou até a janela, pegou o maço de cigarros e o isqueiro que estavam no criado mudo. Vestia somente a parte de baixo da roupa íntima. Se alguém olhasse de fora veria somente o contorno do seu corpo e o brilho laranjado do cigarro quando tragava. Pensou na cena reprovável que estava protagonizando, agora poucos fumavam no cinema, antes eram poucas as cenas sem cigarros, mas faz alguns anos alguém determinou que cigarro em filmes é um mau exemplo. Ele se mexe na cama, ela se volta para olhá-lo "como é bonito". Ele estende o braço para o outro lado da cama, o vazio o faz despertar. Ele sorri antes de abrir os olhos, se encosta no espelho. Ela traga, enquanto solta a fumaça olha pra ele, As vezes eu sinto que deveria ser atropelada por um bonde, ele solta uma gargalhada, Cê tá pelada sua louca, ela afasta o cigarro da boca e apoia o cotovelo na janela, Não tem ninguém na rua e eu estou de topless, ele sorri mais uma vez, Vem pra cá que é, sua desfrutável. Ela apaga o cigarro no cinzeiro, deita aninhada a ele, sente o braço passando pelo corpo, apertando um pouco sua barriga e o beijo no pescoço. Fica acordada mais alguns minutos.
*
Cena roubada de um texto que ainda não escrevi

quinta-feira, abril 12, 2007

Melodrama

No cinema, talvez por ser escuro e as pessoas não se ocuparem umas das outras, ela fazia alguns pequenas afensas às boas maneiras, coisas impensáveis no dia-a-dia. A sua favorita era mastigar a pipoca de boca aberta, mas essa ela nem fazia conscientemente, só se deu conta disso quando aquela voz grave lhe avisou "Você tá mastigando de boca aberta". Nem percebera quando ele se sentou ao seu lado, talvez estivesse estado ali até antes dela chegar, não, não estava, disso ela tinha certeza, porque quando sentou havia escolhido uma fileira vazia. Engoliu e levou mais um pouco de pipoca à boca. No elevador panorâmico a personagem central do filme pensa "Longe é só um lugar onde você nunca foi". Ele tenta cautelosamente deixar o braço tocar no dela, havia finalmente compreendido que as pequenas coisas do cotidiano são infinitamente mais difíceis de contornar do que os grandes problemas. Ela tira o braço do apoio da cadeira, para ela as pequenas coisas já tornaram-se irremediáveis:
- Eu queria falar contigo.
- Mais ainda? E no meio do filme? Que timing hein...
- Pára com isso. Eu só queria saber por quê, só isso.
- Você não me diz coisas bonitas, por isso.
Na película Alice dizia para o vento "destino é aquela da gente que emfrenta o mundo" e depois finalmente encontrava Alberto.
- Lógico que disse...
Ela se virou e seus olhos tinham o brilho de algumas lágrimas que chegam à borda dos olhos, mas por lá ficam até voltarem para onde quer que seja que as lágrimas possam voltar:
- "Agradável", nunca se esqueça disso, você disse que sou "Agradável".
O filme terminou e ela adiantou-se , quando ele levantou havia várias pessoas tentando sair. Lá fora uma daquelas chuvas que dão tristeza. Ele tentou acenar e chamar seu nome, mas ela estava de costas e fingiu não ouvir. Atravessou o sinal nos últimos segundos e ele ficou preso do outro lado. Alcançou-a quase no final da praça:
- Espera.
- Pra quê? Pra ver você se molhar e se enrolar mais ainda? - ela não tinha mais lágrimas nos olhos, tinha uma expressão de ressentimento no rosto.
- Bom quantoa chuva, cê tem um gurda chuva bem grande...
- Esse tipo de momentos íntimos nós não partilhamos mais.
- Não foi aquilo que eu quis dizer...
- Não? Você quis dier o que então, que eu sou bacana, que...
- O QUE EU TÔ TENTANDO DIZER, aparentemente com pouco, na verdade sem sucesso algum, é que eu não sabia o que dizer daquela vez...
- Ah, e sabe agora?
- Pára de me interromper, não tenho nem certeza se isso que eu vou dizer é exatamente o que eu sentia, mas é o que eu acho que deveria ter dito. Estra com você tinha uma sensação de familiaridade, parecia que nós estávamos daquele jeito desde sempre e que iríamos ficar daquele jeito pra sempre... - ele baixa um pouco o olhar.
- Eu não sei se isso é bom ou ruim.
- Eu achava bom.
O ressentimento, mesmo não esquecido, lhe deixa o rosto. Ela se permite lagrimar:
- Pode andar debaixo do guarda chuva.
- Brigado.
- Ai, cê tá todo molhado.
- Culpa tua - ele sorri.
- Se comporta, senão vai já voltar pra chuva.
- A tua casa não fica pro outro lado?
- Eu não sabia o que fazer, tava só seguindo uma direção.
Eles caminham juntos.
---
* Só a Sue sabe desde quando isso tava na geladeira.

terça-feira, abril 03, 2007

Flores

Uma conversa me fez lembrar da minha avó. Nunca lhe tive amor, tenho o terrível defeito de não ter amor instantâneo por parentes, até para esses necessito de convivência para vir a amar. Mas lembro que gostava de ir a casa dela, era pequena, mas tinha um jardim com muitas plantas e eu gostava de cuidar do jardim com minha mãe, era um momento de intimidade nosso. Sempre me preocupava de saber quais as plantas que minha avó tinham e que eu gostava, para termos no nosso também. Lembro de observar uns xaxins com umas plantas de flores lilás, bem pequenas, amores perfeitos se não me engano, o xaxin ficava um pouco mais alto e eu precisava ficar na ponta dos pés, as sobrancelhas deviam estar arquedas, faço isso até hoje. Sempre passava pelos jamins também, escondia um nas mãos, como se alguém fosse se importar com um jasmim roubado. Dos anturios nunca gostei, feios, sem perfume. Uma vez plantamos jasmim em casa, mas hoje ninguém cuida mais do jardim. Sempre paro um pouco quando tem jasmins em um jardim, as vezes pego um.

terça-feira, março 27, 2007

Neruda

Meu aniversário está próximo, estive pensando em como sempre escrevo pouco próximo ao meu aniversário, e me peguei em meu próprio exagero, o blog tem pouco mais de um ano. Então pensar em sempre é hiperbólico. Porém, um presente do ano passado, quase esquecido coitado, me fez querer escrever. É um livro de poesias, meu ponto fraco, aprecio poucos poetas por me sentir tocado por poucos, jamais me ocorreu que um volume esquecido de "Cem sonetos de amor" pudesse me tocar. Grande erro, me ganhou desde a dedicatória, a do autor e a feita à mim. O segundo poema até agora foi especial:
II
Amor, quantos caminhos até chegar a um beijo,
que solidão errante até tua companhia!
Seguem os trens sozinhos rodando coma chuva.
Em Taltal não amanhece ainda a primavera.
Mas tu e eu, amor meu, estamos juntos,
juntos desde a roupa às raízes,
juntos de outono, de água, de quadris,
até ser só tu, só eu juntos.
Pensar que custou tantas pedras que leva o rio,
a desembocadura da água de Boroa,
pensar que separados por trens e nações
tu e eu tínhamos que sempre amar-nos,
com todos confundidos, com homens e mulheres,
com a terra que implanta e educa os cravos.
***
Será que eu e você também seremos assim?

quinta-feira, março 22, 2007

Afogado

Esses dias tem chovido tanto que acho que a cidade vai inundar. Nos meus sonhos, até nos que tenho acordado, ela costuma inundar mesmo, mas nada flutua, só os cabelos. É bom que em sonho a gente pode respirar debaixo d'água ou vai ver que nem respira.
Engraçado isso de sonhar com água, muita por sinal, me disseram hoje, sem saber que eu pensava nisso, que ela representa a sexualidade. A minha daqui a pouco deve estar me afogando. Mas todo mundo se perde por causa dela, uma amiga falou até de cimentar suas intimidades, mas nem em sonho eu faço isso com o meu.
Eu tento trocar de elemento, mas só o que me vem à cabeça é fogo e ele tem um efeito mais "local" do que a água. E eu tô sozinho, mas também eu tô sempre sozinho, e o jeito é dar "jeito" sozinho. São umas punhetas insólitas, ardidas, mas como já comprovei, por pura indiscrição, com alguns amigos que tiveram coragem de admitir, algumas são bem melhores do que algumas trepadas que já tivemos.
Nesses últimos meses tenho andado mais do que nunca com meu guarda chuva. Um daqueles enormes, já couberam três pessoas debaixo dele, preto e indiscreto. Acho que durante a inundação ele me salvará a vida ou pelo menos vai me garantir o momento íntimo de dividir o guarda chuva com outra pessoa.

segunda-feira, março 19, 2007

Alguns Andares

Outro dia eu estava na janela do apartamento de um amigo. Senti aquilo que a Clarice descreveu uma vez como um súbito impulso suicida que as vezes se tem próximo à janelas. Se eu já fosse leve quem sabe voasse.

terça-feira, março 06, 2007

Internet

Tudo parece me levar a crer que somos vítimas da morte do romance. Isso soa dramático mas o termo é exatamente esse. As obras que têm mais romance são antigas ou se passam em épocas posteriores a nossa. Tudo que é atual me parece ter um toque de desespero, uns amores atrapalhados pela própria pessoa muito mais do que pelo tempo ou adversidades ocasionais, não consigo deixar de sorrir quando lembro do adjetivo "desamparo". A impessoalidade de ferramentas como o messenger me fazia atestar isso, um conto do Julian Barnes também. Hoje eu percebi que não é bem assim, quando você está offline mas ainda conversa com alguém, pode ocorrer das mensagens chegarem com atraso. Esse atraso me deixou com a angústia de não saber se ele não falava comigo ou se era só o atraso. Converso com poucas pessoas, costumo apoiar o cotovelo na mesa e a mão no queixo, fazendo uma corcunda, e fico esperando. É essa espera faz você se sentir desamparado, o descuido com que a gente esquece das coisas na tela. Mas isso pra mim derruba toda aquela baboseira que eu acreditava sobre impessoalidade, consigo ser mais impessoal com algumas pessoas que vejo todos os dias, muito mais do que seria pela internet. Não é nem um pouco difícil ser distante, mas ser próximo também não é. Acredito que está tudo nas pequenas coisas.

domingo, fevereiro 25, 2007

Presente de Aniversário

"Você escreve bem", ela disse. Não, ele estava no corredor, caminhando para a cozinha e a ouviu dizer para a irmã "Ele escreve bem, mas é porque ele lê muito, por isso escreve bem". O livro que havia lhe dado em seu último aniversário ficou esquecido na cabeceira, mas nesse momento soube que ela havia lido a dedicatória. Foi quase como se lhe desse um sorriso e dissesse "Você escreve bem". Passou para a cozinha, encheu um copo d'água, levou até a boca, mas antes de beber a água sorriu. Encheu-se de satisfação, muito mais por como o evento poderia ter sido, do que pelo que havia realmente acontecido. Voltou para o quarto, mudo como havia saido, só com a postura mais pouco mais ereta. Imaginava a continuação, abraçava-a brevemente, depois colocava as mãos em seus ombros contraindo-os um pouco, fechava os olhos por dois segundos, abria-os de novo e lhe dizia "Obrigado, mulher horrorosa. Muito obrigado".

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Tempo

Hoje o John me mandou uma mensagem dizendo que sempre chora no final dos livros do Gabriel García Márquez. Eu não... Lívia chorou lendo "O Canário" da Katherine Mansfield, eu quase nunca a menciono, mas o que ela escreveu me toca bastante. Ainda sim não chorei, só quem conseguiu me arrancar uma lágrima foi "Dançando no Escuro", uma só, bem forçada pra ser sincero, porque achei que devia ter pelo menos uma por toda aquela tragédia. A única coisa que me garante que as minhas lágrimas ainda existem é quando estou deitado, forçando a vista ou só olhando pro vazio e elas vêm, sem tristeza de verdade, que pra mim só é verdadeira quando tem muitas lágrimas. Tristeza sem lágrimas é inverossímil, é coisa de gente travada. O que muito provavelmente é meu caso, afogado na casca de verniz que deixo pra pessoas verem. Até andei polindo ela esses dias. Só tenho sentimentos nos meus sonhos.

sábado, fevereiro 10, 2007

Andanças (Lá se vai toda a respeitabilidade do blog)

Lembrei da primeira vez que nos falamos. Você achou que eu tava triste e quis ser simpática. E me dei mal, cê não tem vergonha de ser grosso desse jeito com as pessoas não? Ah, fiquei assustado quando cê apareceu do nada perguntado "Você tá bem? ". Sei lá, vai que você era uma dessas bichinhas dramáticas suicidas e pulava no rio. Cê ia pular pra me salvar. Lógico que não, não te conhecia o suficiente, hoje eu também não pulava, só te mandava parar de frescura. Mas segunda vez foi mais engraçada. Naquele dia fiquei com medo de ti, achei que cê era meio doido, andando, falando sozinho, de olhos fechados ainda por cima. Teve medo de eu tropeçar? Ai, porque cê me bateu? Lembrei de que eu nunca tinha te batido pelo "Olha moça, seja lá o que você queira não vai dar não, sou viado", isso é coisa que se diga? Ficou toda ofendida "Olha, não que eu tivesse qualquer intenção amorosa com você, tava só querendo ser simpática. Já tinha sacado que você é gay desde aquele outro dia no rio", mentirosa, nem tinha sacado nada. Mano, na primeira desmunhecada que nem essa que você acabou de dar, eu sacava. Me dá um beijo. Pra quê? Tá doida bicha? Porque eu tô indo embora. E daí? Daí que você nunca mais vai me ver, vai que eu gosto e decido virar hétero? Piorou, passar todos esses anos do teu lado, pra depois as outras lá na puta que pariu aproveitarem? Não senhor, vá bicha e fique bicha, lembre de bater fotos dos bofes que forem escândalo. Que horas são? Três e meia, que horas o avião chega, quinze pras quatro, tá confirmado ali no painel. É tchau de vez né? É baby, é tchau de vez. Tem msn, tem orkut, a gente dá um jeito. Dá não, eu sou ausente dessa vida esqueceu? Eu te perturbo on line, esqueceu que eu não tenho vida social? Preciso viver pelas experiências de alguém, desde aquele dia no rio eu te escolhi. Por isso que você escolhe com quem eu fico ou não, é? Exato, você só tem direito de ficar com as bichas que eu gostaria de ter. O avião chegou. Vai baby. É tchau de novo né? É, é tchau de novo, com direito a abraço dessa vez. Tchau baby...

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Corrente

5 coisas que quero fazer antes de morrer:
Sair de casa
Descobrir que diabos eu quero fazer da vida
Escrever um livro
Ter um ralacionamento decente
Ler tudo que eu gostaria

5 coisas que eu faço bem:
Estudar
Brigar
Trepar
Comprar
Cafuné

5 coisas que eu mais digo:
É fantástico
Não é bem assim não
Ah, vá se fuder
Né?
Meu Deus

5 coisas que eu não faço (ou não gosto de fazer):
Socializar
Sair
Comer (Exceto maçã)
Ir no Tupinambá
Usar sapatênis

5 coisas que me encantam:
Inteligência
Bom humor
Beleza
Baixaria
Ana Maria

5 coisas que eu odeio:
Leseira
Ignorância
Violência
Soberba
Incompreensão
*Como a maior parte das pessoas que eu conheço que têm um blog já foram citados pela Sue não vou fazer lista dos 5 que devem responder * Não, eu não conheço muitas pessoas que têm blog

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Chuvarada (Parte 4 -Final de Verdade)

Guilherme olhou para o horizonte da borda da montanha, voltou-se para Éolo:
- E agora pra onde nós vamos?
Ele também fita o horizonte, seu perfil demonstrava um sorriso, apoia o braço esquerdo com o guarda chuva:
- Agora você vai conhecer minha casa.
- E como a gente vai chegar lá?
Éolo fecha os olhos e devagar deixa a cabeça cair para trás:
- Estamos quase lá.
Antes que Guilherme pudesse se dar conta a grama havia desaparecido, agora eles pisavam em algo branco parecido com algodão úmido, porém mais leve, menos denso na verdade:
- Ai meu Deus. Nuvens. Nós estamos nas nuvens - era indisfarçável a excitação do menino, que prontamente saiu correndo.
- Cuidado...
Era tarde demais, o garoto se desequilibrara e caíra, diferente da terra, onde ele não passaria do chão, Guilherme afundou e desapareceu. Éolo encontrou-o logo abaixo deitado em uma densa nuvem de chuva, os cabelos umidecidos e o rosto respigado de água da nuvem que acabara de atravessar:
- Você está bem?
O garoto lhe sorriu pela primeira vez no dia inteiro:
- Bem? Eu estou mais do que bem, isso aqui é incrível.
Éolo sorriu e lhe estendeu um braço:
- Vamos, temos coisas importantes a fazer ainda hoje.
- Tá.
De volta a nuvem superior Éolo agaichou-se um pouco e soprou na direção do menino para secá-lo. Levantou-se e pôs as mãos próximas a boca como se faz para aumentar o poder da voz:
- Cirrus, Cúmulos, Nimbus. Venham aqui agora seus monstrinhos.
Na névoa podia-se diferenciar dois vultos, aproximadamente da altura de Guilherme. Um menino e uma menina. Vieram correndo e agarraram-se à Éolo. Ela tinha os cabelos cinzentos, lisos, cortados um pouco acima da altura do ombro, usava um vestido de mangas bufantesque deixavam os braços quase inteiramente à mostra. O rapazinho, também de cabelos acinzentados, mas os seus ondulados e mais curtos, usava calças que não chegavam ao fim de suas pernas e uma blusa de mangas compridas abotoada até quase a gola. Ambos tinham os olhos idênticos ao de Éolo:
- Guilherme, deixe-me apresentá-lo aos meus monstrinhos. Esta é Cúmulus e este Nimbus.
As duas crianças respoderam quae ao mesmo tempo com sorrisos e "Olá".
- Espera, mais eu podia jurar que havia mais de vocês. Ah, é claro. Onde está Cirrus?
Cúmulus ergue o rosto para olhar Éolo nos olhos:
- Faz dias que não a vemos.
- Ela deve estar por aí.
Éolo pôs uma mão aciam das sobrancelhas como se tentasse apurar a visão, olhou para todos os lados e chegou a conclusão de que a menina não se encontrava em seu reino:
- Nosa pequena ladra está tentando se esconder, mas nenhum filho meu pode esconder-se de mim.
- Ela não roubou nada.
- Claro, claro, por um momento esqueci que você foi tolo o suficiente para lhe dar seu coração. Venha, eu sei onde ela está.
Guilherme deu a mão para Éolo e começaram as descer na nuvem. Flutuaram até chegar na laje do prédio onde moram os parentes de Guilherme. Lá estava Círrus, em seu vestido de mangas longas, os cabelos ondulados soltos, segurando nas mãos algo que brilhavam com uma luz prateada como àquela que vem da lua.
- Círrus, esperava esconder-se de mim?
- Não...eu só...eu não queria que você o tirasse de mim.
- Que insolência, vamos, devolva-o agora.
- Não, ele é meu, me foi dado de boa vontade, você não pode tirá-lo de mim.
- Chega, faça o que digo, o garoto precisa dele e você é minha filha, obedeça.
- Você é sempre assim, sempre me dizendo o que fazer. Você sempre acha que eu não sei nada, mas eu sei. Aqui não é o seu domínio e você não pode exercer poder algum sobre mim - desesperada a pequena sílfide começou a correr. No céu um clarão repentino que somente Éolo percebeu, mas não pôde agir a tempo.
- Círrus cuidado.
A menina tropeçou e ao cair derrubou o que tinah nas maõs e pode-se ver a orbe que brilhava prateado. Quando caiu de sua mão formou-se uma pequena rachadura. A luz diminuiu um pouco de intensidade. Nesse momento Guilherme caiu de joelhos com as mãos no peito como se sentisse uma grande dor. Éolo precipitou-se até Círrus.
- Garotinha tola, há mais coisas em risco do que sua simples desobediência, que quase custou a vida do mortal.
Guilherme se levantou ainda com uma mão no peito e andou até os dois. Tocou Éolo no ombro:
- Pára, deixa ela em paz - sorriu para Círrus, a garota tinah lágrimas nos olhos.
- Eu tava pensando. Será que você poderia me devolver isso aí?
Ela junta a orbe com as duas mãos e a pressiona contra o peito de Guilherme, quando termina um brilho cruza os olhos do rapaz:
- Obrigado, acho que eu não posso visitar você não é?
Éolo toma a liberdade de responder a essa pergunta:
- Infelizmente não jovem. É uma pena, mas o único título que posso lhe conceder agora é o Guilherme, Coração Quebrado.
- Ah - o garoto diz imitando a voz de Éolo - mas eu acredito que esse seja um título bastante adequado.
Círrus dá uma risada tímida. Éolo coloca a mão em seu ombro:
- Então, acredito que seja isso. Pedimos desculpas por todos os transtornos.
Guilherme fica no alto do prédio olhando para o que acontecia abaixo. Ainda que ninguém possa saber como as coisas teriam sido, para o garoto elas jamais poderiam ser as mesmas.
***
Depois de deixar Círrus em seus domínios, Éolo dirigiu-se até o monte Olimpo, até o salão de Afrodite, deusa da beleza e do amor:
- Você não estava e pedindo um simples favor não é mesmo?
- Não meu querido, não para mim.
Ele coloca duas setas quebradas na mesa:
- Espero que elas façam falta a seu filho.
- Entenda Lode Éolo, meu filho participou desse joguinho estúpido com riscos muito altos. Eu não poderia arriscar que ele o perdesse.
- Mas não se importou de arriscar um dos meus.
- Não estava em meu poder decidir isso.
- Que seja, saiba que desse momento nossas relações estão abaladas e não me sinto mais em débito para convosco nem muito menos sua prole.
- Entendo.
- Então, é adeus.
- Adeus Lorde Éolo.
- Adeus Lady Afrodite.
Éolo seguiu para seus domínios. Ambos sabiam que haviam feito o que qualquer pai deveria fazer.