Haroldo e Clarissa tinham como única garantia dos seus laços de sangue a palavra de honra de sua mãe, que sempre lhes garantiu que eram irmãos. Pois ambos tinham grandes suspeitas de que duas pessoas tão diferentes jamais poderiam ser irmãos. Haroldo sempre sério demais, jamais corria, provavelmente porque ele tem um desses nomes ficam muito bem em adultos, mas que são difíceis de imaginar em uma criança. Enquanto Clarissa parecia aproveitar a infância pelos dois.
Num dia desses que faz bastante sol e as nuvens quase não aparecem, Haroldo estava sentado na escada sob a sombra, observando a menina subir em uma árvore, esperando o exato momento em que ela fosse cair e ele pudesse dizer algo do tipo "Te disse pra não subir na árvore". Quando Clarissa chegou no ponto mais alto deu um grito, o garoto caminhou para baixo da árvore curioso pra saber em que confusão ela havia se metido:
- Que você fez agora Clarissa?
- Sobe aqui, rápido.
- Não vou subir. O que aconteceu? Ficou presa?
- Claro que não. Sobe logo pra ver uma coisa.
- Não vou subir numa árvore, desce logo.
- Você quer ver ou não? É um circo.
Mesmo contrariado ele preferiu subir, nem que fosse pra explicar pra irmã que o que ela via não era um circo, já que ela nunca tinha visto um e ele pelo menos tinha visto uma figura de um, o que deveria ser suficiente para atestar à irmã que ela estava errada. A subida foi um pouco difícil por causa da falta de prática e teria sido decepcionante, caso a visão não fosse recompensadora. Era um circo de verdade, com uma grande tenda amarela, uma bandeirola triangular azulada na ponta e grandes flâmulas descendo até o chão. Mesmo com uma aparência desgastada, parecia ter a mágica de todo circo. Na verdade, se algum dos poucos magos ainda vivos passasse por ali, poderia atestar com certeza que ali tinha muita mágica boa:
- Vamos até lá.
- Não, a mãe não vai deixar e não temos dinheiro mesmo.
- Ah, a gente vai só dar uma olhada e volta. Vamos, se você não for a mãe não deixa eu ir também. Deixa de ser chato.
Ainda que relutante, o menino aceitou, porque no final ele também queria muito ir:
- Mas nada de correr, vamos andando.
Andaram em direção a grande tenda, quando chegaram bem próximos notaram o quanto ela lembrava um enorme castelo, mas no lugar do fosso havia um grande canteiro de margaridas, como elas haviam crescido ali do dia pra noite os dois não souberam dizer, mas imaginaram que devia ter algum daqueles mágicos que tiram coisas do chapéu. Um homem com um grande bigode e cavanhaque deveria ter tirado as flores da cartola e as atirado no chão, assim seria bem fácil colocar todas elas ali.
Muitas pessoas estavam entrando para a primeira sessão. Os dois estavam desapontados porque sabiam que sua mãe não tinha como levá-los ao circo. Clarissa começou a seguir a cerca para o lado oposto ao da entrada. Logo percebeu que fora ao homem que parecia um típico domador, que estava muito ocupado pegando o dinheiro das entradas, não havia mais ninguém do lado de fora:
- Haroldo, vamos pular a cerca e ...
- Não, não vamos. Se nos pegarem assistindo o show sem pagar vai ser uma vergonha.
- Mas .. A gente fica só um pouquinho e depois sai. Eu queria muito ver o leão...
Em qualquer outra ocasião os argumentos dela não seviriam de nada, mas o garoto queria ver como era um circo por dentro tanto ou até mais que a irmã:
- Tá, mas só um pouco heim.
Num só dia Haroldo já havia subido em uma árvore e pulado uma cerca, pra ele não faltava acontecer mais nada. Quando passaram pelo canteiro Clarissa pegou uma margarida lilás, jamais havia visto uma dessa cor. Seu irmão levantou um pouco a lona e assim que ela passou ele se jogou pra dentro. Como não tinha o costume de fazer esse tipo de coisa ele acabou caindo. Assim que ela o ajudou a se levantar eles ouviram uma voz estranha:
- Muito bem, entre as coisas no meu contrato está impedir que pesssoas tentem entrar por outro lugar que não seja a porta...
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