terça-feira, julho 31, 2007

O Barco (continuação)

Quando seu filho nasceu, ela experimentou pela primeira vez algo próximo do que se convenciona ser a felicidade, para ela um sentimento discreto, contido, porém, indubitavelmente profundo, delicado e concreto. Esse acontecimento a fez descobrir o prazer que há em cantar. Assim passavam os dias e suas tarefas domésticas com um cantarolar sem letra, que embalava o bebê pela maior parte das horas do dia.
A presença da sogra, imposta pela mesma, mostrou-se na verdade bastante útil e agradável. Ainda que não entendesse o motivo da mudança, pois mesmo não sendo rica, ela não tinha necessidade de morar com os parentes, e também gozava de boa saúde, creditava à falta de companhia a razão da mudança.
Moravam em uma casa pequena, numa parte quase desabitada da cidade, havia um grande descampado atrás da casa, onde só cresciam grama e umas poucas árvores de pouca beleza. Era terra de ninguém, a medida que as pessoas chegavam faziam suas habitações da melhor maneira que podiam, um prenúncio do caos de algumas décadas ainda por vir.
Acreditando que tudo andava na mais perfeita ordem, ela foi incapaz de notar a alteração do marido, encarava o aparente descaso para com o filho, apenas como um reflexo da sua personalidade pouco afetiva. Entretanto, sua sogra notava o real desprezo que ele sentia pelo recém-nascido, ela via nos olhos do filho o ciúme que começava a lhe degradar ainda mais o espírito.
Um certo dia, notando a tensão entre a sogra e o marido no quarto da criança, que fora surpreendido com uma mão na gargantada criança, ainda que sem apertá-la, perguntou o que acontecia, mas o sorriso da senhora desfez a tensão lhe dizendo "Pois acredita menina, que teu marido foi capaz de esquecer o remédio dessa velhaca que quase não consegue andar por causa da coluna estragada".
O menino cresceu e aos três anos, como toda criança, agia como um pequeno príncipe que só consegue dar real atenção àquilo que lhe interessa. Fisicamente idêntico ao pai, mas com os olhos e o temperamento, passada toda a melancolia, genuinamente afável da mãe. Entretanto, os três anos de idade é a idade em que o ser humano começa a se dar conta do mundo, mas ainda é desastrado e descuidado como um animal. Por mais de uma vez o menino escapou de uma surra do pai por intervenção da mãe ou da avó.
Essa também é a idade dos desejos mais curiosos para um ser humano. Determinada noite, ela percebeu a aflição do filho que tentava equilibrar uma vassoura para o alto. Depois de explicado que ele tentava alcançar as estrelas sua mãe sorriu e lhe disse "Tudo bem, você pode tentar pegá-las, mas somente as que se encontram no nosso terreno, porque as demais não nos pertencem".
No mês de outubro a velha teve o que reconhecia como o anúcio da proximidade da sua morte, recusou-se a visitar um médico e esse, quando foi trazido até ela, atestou que para sua idade ela estava com a saúde perfeita, arriscou até lhe conceder mais uns dez anos de vida. Em novembro, numa manhã de sol tímido e com muitas nuvens, chamou a nora no quarto e avisou que chegara sua hora. Diante da dor ela não sabia o que fazer, a não ser se permitir lágrimas num choro mudo. A velha segurou-lhe a mão confortadoramente, virou o rosto para fitar-lhe os olhos "Não se preocupe minha filha, é como dormir".
Uma semana após a morte, a criança passava próximo a mesa, arrumada para o jantar, a possibilidade de finalmente dar vazão a violência lhe causou uma volúpia que lhe era desconhecida. Olhou sua mulher de costas para a mesa, ocupada com o jantar, empurrou lentamente com o indicador o prato mais próximo ao menino, o estardalhaço do prato de quebrando fez com que ela se virasse do fogão, somente pra assistí-lo levantar-se com a mão levantada, incapaz de impedir que ele agredisse a criança, que bateu na parede com a força do golpe. Naquele dia ninguém jantou e pela primeira vez desde que haviam se casado, eles dormiram seprados. Ele no quarto do casal, experimentando o prazer que a violência causa, e ela com seu filho.
No outro dia fazia bastante sol, o menino logo cedo foi brincar fora de casa, ninguém se falou. Felizmente, a idade lhe dava a indulgência de uma memória ainda fraca ou pelo menos a capacidade de ignorar os acontecimentos em detrimento de coisas mais felizes. Voltou para casa com uma flor para a mãe. Curiosa por saber de onde ela vinha, já que não se recordava de flores no descampado, perguntou onde o filho a conseguira, ao que veio a resposta imediata "No barco". Intrigada, ela passou pela porta dos fundos para procurar flores no descampado, porém, ficou imóvel ante a visão de um barco, um pouco menor que um de porte médio, que parecia sair da terra, como se há muito tempo ela tivesse o engolido e após tremores cuspido metade dele de volta.

segunda-feira, julho 30, 2007

Tainá, Ana e Eu

- Ah, meu avó foi o Mestre parente, ficou conehcido por te construído muitas casas, a arquitetura tá no histórico familiar.
- Que legal, o meu avó era índio, foi mateiro pro Goeldi, responsável por uam boa parte da coleta do amterial botãnico de lá, tem até uma placa pra ele.
- Ah... O meu avó tomou uma garrafa de pinga todo dia até morrer de câncer... O que foi?! Eu fiquei bastante impressionado quando soube disso.

domingo, julho 29, 2007

Me dei conta da quantidade de amigos meus que foram embora, alguns só viajam , mas boa parte foi embora de vez. Não me importo de ficar em Belém, mas com certeza não gosto de me sentir deixado para trás. Aprendi que ficar sozinho é difícil, por isso mesmo que há de se sentir a a solidão. O problema é que me desacostumei das pessoas, perdi o tato para com todas elas. Parece que as minhas cordas vocais atrofiaram, engulo um pouco de saliva pra tentar falar e me desespero com o silêncio constrangedor, o solo racha, um continente se forma e, no tempo de tentar abrir os lábios, cada um ficou para numa margem. Sinto as juntas endurecidas, congeladas.
Mas o que me preocupa mesmo é o coração, parece o tempo inteiro que eu parei e tudo continua andando muito, muito rápido e a inércia não me permite andar. Sinto que ele, o coração, foi parando também, e quem consegue me enxergar acha que ele endureceu, porém, eu não consigo explicar o que aconteceu com ele.
Ficar parado é ruim, te faz pensar em tudo, ver até o seu lado mais feio, e todos sabem o quanto o humano tem repulsa ao feio, disso admito que não consigo escapar. Entretanto, o que me aflige não é o feio dentro de mim, o que me dói é o lado que sente a repulsa, o ser humano ruim, que não consegue se comover, esse me preocupa. Incapaz de uma lágrima, incapaz de se enternecer. O que me dói é conhecer o monstro dentro de mim, mesquinho e tacanho, e nem dele ser capaz de falar. Tento exumar sentimentos felizes para ver se esqueço dele, mas esse é um mal que está lá, mesmo no escuro está lá.
O tempo vem matando até mesmo minhas crenças, a despeito da minha falta de religiosidade, jamais deixei de crer em Deus. Não deixo de crer agora, só acredito que ele já se foi faz muito tempo, essa é uma certeza agravada pelo tempo.

terça-feira, julho 24, 2007

O Barco (continuação)

Encontraram-se algumas outras vezes e a reciprocidade de sentimentos era inequívoca. O velho dono da livraria tentou avisá-la "Minha filha, não importa se antes ele não usava casacas e agora as veste, ele é um monstro e vai continuar sendo um. Até a mãe dele bem o sabe", porém, o deslumbramento da paixão fazia-a evitar o bom senso, mesmo que esse lhe agitasse placas durante o dia.
Não demorou muito para que se casassem, houve uma cerimônia simples, por algumas horas o desamparo parecia ter abandonado o olhar da moça e ao homem deve se dar o crédito de ter passado um dia inteiro disfarçando sua truculência. Entretanto, mesmo com toda a alegria daquele dia, o que ambos ignoravam era a grande tristeza que tinham e essa, talvez, fosse sua ligação mais forte.
No início, passado o estranhamento da falta de intimidade, amor e sexo eram a mesma coisa e assemelhavam-se a fome. Com o tempo já nem sabiam porque faziam amor, era apenas o desfecho do dia.
Alguns anos depois, ela já se resignara a constatação de sua infertilidade, a regularidade e quantidade de suas relações e pelo menos dois abortos expontâneos, lhe davam essa certeza, não de todo inesperada. Até que o destino, em mais uma de suas reviravoltas inexplicáveis, lhe concedeu todas as agruras de uma gravidez levada a cabo. Após o parto, de um menino saudável ainda que um poco pequeno, teve a surpresa da anunciação da mudança de sua sogra para junto do filho e da nora.
-Continua, sei lá porquê, mas continua-

quarta-feira, julho 11, 2007

Eu e a Ana

- Não raphael, o último power rangers é o dos policiais que viajam no tempo.
- Não Ana, cê tá confundindo o power rangers patrulha do tempo com os super patrulha delta, esses sim são os últimos.
Olhar desconfiado - Tu sabes que eu tenho uma filha de 9 anos e isso me dá uma desculpa perfeitamente plausível pra conhecer power rangers né? Qual a tua?
- Ah...Eu...Tenho muito tempo livre tá. Não enche...
*A temporada atual é Power Rangers Força Mágica

terça-feira, julho 10, 2007

O Barco (faz muito tempo que estava na geladeira)

Seu primeiro encontro foi obra do acaso, um momento de certo constrangimento para ambos, quando se anda na mesma direção de uma pessoa e ao tentar desviar acabam ambos indo para o mesmo lado. Ele não foi cavalheiro lhe cedendo a passagem, foi bastante ríspido franzindo o cenho e andando na outra direção, mas ela não pode notar pois olhava timidamente para baixo. Entretanto, isso tudo só aconteceu após seus olhares terem se cruzado, o que teria poupado ambos de infortúnios futuros, talvez não, afinal, não se pode saber como as coisas poderiam ter sido.
O primeiro desses infortúnios foi a paixão, reconhecida de imediato por ela, ele a confundiu com um estranho nervosismo, sua mão esquerda tremia leve e involuntariamente quando estava nervoso e essa era uma de suas poucas demonstrações de sentimento da qual apenas sua mãe estava a par, e era uma demonstração involuntária. Cerrou o punho e seguiu seu caminho. Ela era uma mulher infeliz, tamanha era sua infelicidade que todos os outros infortúnios da vida haviam decidido abandornar-lhe, jamais passara fome ou qualquer outra privação, porém, exceto quando do nascimento de seu único filho, fato guardado um pouco mais para o futuro, jamais experimentara um momento de felicidade por mais fugaz que fosse. Quando a providência lhe trouxe uma esperança de amor fez o que qualquer infeliz faria, agarrou-se o mais forte que pode.
Ela teve sua primeira experiência de jovem apaixonada, supirando e procurando-o com o canto dos olhos enquanto trabalhava na livraria. Esperava uma segunda oportunidade de vê-lo. Ele evitava aquele caminho a todo custo, sempre que lhe vinham à mente os olhos azuis melancólicos da moça sua mão tremia, com o tempo passou a sentir seu corpo gelar, uma sensação que partia das extremidades até alcançar o coração, causando-lhe um certo terror devido a aceleração do pulso. Mesmo assim, ele as vezes fechava os olhos e conseguia ouvir as passadas com exatidão, depois o brilho do azul do vestido sob a luz esmagadora do sol da tarde, o busto sombreado pelo guarda sol, terminando nos olhos, sempre terminando nos olhos.
Sua mãe, a única que conseguia compreender os silêncios e a rispidez do filho, notou a transformação que os dias operavam no homem. Sentou-se à mesa com sua caneca de café, tomou um gole pequeno e, sem as cerimônias de um detetive que desvenda um grande mistério, lhe explicou o que acontecia "Você está apaixonado", ele levantou o olhar com um expressão de dúvida "Você quase não come, olha pela janela a toda hora e agora anda o tempo todo limpo. Você está apaixonado meu filho. Ou isso ou está com verme. Em todo caso aqui tem uma pílula do mato, mas se eu estiver certa de primeira, sugiro que você fale com ela". Ele levantou-se e tomou a pípula "Leva o guarda chuva que vai chover".
Começava a anoitecer quando ela saiu, não se via o sol terrível daquela terra que punia em vida os pecados dali, mas também não se viam as estrelas e a lua, só nuvens avermelhadas como se fosse sangue e não água que lhe formassem. Andava sem pressa, já se acostumara com a idéia desconfortável de chegar ensopada em casa, um feliz equívoco, porque assim que os primeiros lhe tocaram os cabelos ele apareceu, nesse instante ela se deu conta que se apaixonara por um vulto de olhos castanhos, agora loiro, corpulento, aspecto rústico, porém, bonito. Falaram pouco, caminharam sem pressa na chuva.
-Depois eu continuo

domingo, julho 01, 2007

Neruda

Acredito que o sentimento seja esse:

III
ÁSPERO AMOR, violeta coroada de espinhos,
cipoal entre tantas paixões eriçado,
lança das dores, corola da cólera,
por que caminhos e como te dirigiste a minha alma?
***
Por que precipitaste teu fogo doloroso,
de repente, entre as folhas frias de meu caminho?
Quem te ensinou os passos que até mim te levaram?
Que flor, que pedra, que fumaça, mostraram minha morada?
***
O certo é que tremeu a noite pavorosa,
a aurora encheu todas as taças com seu vinho
e o sol estabeleceu sua presença celeste,
***
enquanto o cruel amor sem trégua me cercava,
até que lacerando-me com espadas e espinhosa
briu no coração um caminho queimante