domingo, outubro 28, 2007

O Tempo (Continuação)

Ela levantou-se da cadeira antes que o gato pulasse para o seu colo como acontecia todos os dias, percebeu que ele ficou no tapete, encarando-a, a cabeça um pouco virada para o lado, perguntando "O que eu faço agora?". Passou para a cozinha, sua mãe estava sentada numa cadeira, um ar confuso "Que a senhora tem mãe?", a resposta deixou-a ainda mais atônita "Nada, minha filha. Eu... parece que esqueci o que eu ia fazer - colocando uma mãe à frente da boca a senhora sorriu- Devo estar ficando velha mesmo", a menina sorriu de volta "Que isso mamãe - pegou um guarda-chuva - Vou sair, vou na casa da vovó", "Pra que o guarda-chuva, já choveu hoje" retorquiu sua mãe "Não sei, - ela sorriu - de qualquer forma vou levar".
Assim que pôs os pés para fora de casa e olhou a estrada, percebeu que no céu as nuvens de chuva, cinzentas e ameaçadoras, juntavam-se mais uma vez. Porém, ela precisava ir até a casa da avó, lembrara-se da avó contando uma vez sobre um livro muito antigo que lera quando criança, o "Livro do Início do Mundo", Ana tinha certeza que se alguma coisa podia ajudar era esse livro. Eram dois quilômetros e meio da sua casa até a de sua avó, com ou sem chuva ela esperava chegar antes das cinco, não gostaria de estar na rua quando anoitecesse. A chuva chegou muito rápido, o vento parecia querer deliberadamente impedí-la de andar, Ana se agarrou firme ao guarda-chuva. Em um momento ela viu algo um pouco maior que um graveto, que dividia a passagem, mesmo que parecesse loucura, ela sabia que dependendo do lado escolhido seu caminho seria afetado. Ela ergue os olhos, olhou para baixo mais uma vez, depois olhou para frente, sabia que a esquerda era o caminho certo para seguir.
As nuvens de chuva que encobriam o sol não deixaram que Ana percebesse a transformação que se operava na estrada, o verde escuro tomando o caminho todo, até as árvores e as casas parecessem todas feitas de esmeraldas bastante escuras, até o chão parecia refletir um verde que só seria possível se fosse feito do pó de minerais preciosos. Foi bom que Ana não percebesse tudo isso, quem sabe o susto da transformação a fizesse desistir. (continua)

domingo, outubro 21, 2007

Match Point

Estava assistindo "O Espelho tem duas faces", acredito que seja esse o título, sei, é decadente assistir um filme desses às 8 da manhã de um domingo, pior ainda é se identificar totalmente com o personagem principal feito pela Barbara Streisand, isso vai além de bichice, é patético. Estava tudo ali, cortando a comida toda antes de comer, separando a parte que não gosta e, mais importante, medindo o que vai no garfo para ter um bocado perfeito e simétrico. Se identificar com um personagem patético é assinar o seu próprio atestado de pessoa patética, a Sue se identifica com a Elinor, minha heroína favorita da Jane Austen, já eu me identifico com a Rose, meu Deus, nem ao menos é um personagem masculino. Porém, no filme ela dá o seu pulo da gata, o marido chega em casa após uma viagem, "You don´t know me" como trilha, dá de cara com ela: linda, magra e inevitavelmente loira. Se a lógica for essa, eu só vou precisar de mais uns vinte anos sozinho, morar com a minha mãe até lá e dar aulas, pra poder ter o meu pulo do gato, acho vou esquecer a clareada dos cabelos, ela não fica bem em homens.

sábado, outubro 20, 2007

Balanço

São dois anos de blog, li uma vez no da Ivana Arruda Leite que o blog a ajudava a manter a concentração nas coisas de fora, é uma afirmativa meio estranha, mas a premissa era de que colocando todas as doidices que passavam pela cabeça dela n blog, ela conseguia se concentrar melhor na hora de escrever outras coisas. No meu caso acho que isso não deu certo, acho que hoje em dia escrevo pior, coisas mais inócuas e menos felizes, no início do blog havia humor, agora só tem um ranço de ácido, mas também não posso culpá-lo, acho que o problema sou eu, afinal as coisas do início estão todas aí: a ana maria, a falta de amor, as revistas, os livros, os amigos. Não, não tá tudo aí, eu decaí, não sou mais saudável, não sou mais disciplinado, quase não vejo mais os amigos. Fiz alguns novos, mas acho que já perdi um deles, não sei mais cativar as pessoas, mas acredito que não preciso mais dessa responsabilidade também. Escrevo pouco, mas também vivo tão pouco, de uma forma tão vaga, é tão fácil viver assim que não consigo mas fazer as coisas de outro jeito. Foi a coisa mais fácil de fazer, botar todo mundo pra fora e trancar a porta, quando tudo me dizia que eu devia fazer justamente o contrário. Sou mais que nunca o homem de lata da Sue.

segunda-feira, outubro 15, 2007

Em Quatro Dias

Acordei sobresaltado, já estava dormindo quando me dei conta que ia esquecer de você. Seria bem típico de mim, né? Sempre esqueço datas, tá, nomes também, eu sei que esqueço nomes também. Ou então vou passar os próximos quatro dias fazendo questão de lembrar e quando chegar o dia, ele passa em branco, conheço meus defeitos. Vou pregar post-it´s pela casa, você não tem com quê se preocupar. É, viu como eu tô tentando me organizar? Pelo menos esse defeito eu posso tentar consertar, os outros eu debato com a psicóloga, isso se ela der uma brecha entre as reclamações do marido. Você vai ver, vai acordar com a surpresa do cheiro das flores, nem vai notar a hora que levantei, vou sair cedo e comprá-las. São margaridas amarelas, eu nunca esqueci. Um dia vou entregar as mil, todas de uma vez só. Vão ter flores até no aquário. Sei lá, a gente joga pras pessoas que passarem na rua ou abrimos a janela e a porta da frente e elas transbordam. Sim, tudo isso é pra te provar que eu não esqueço mais. É... mereço.

sábado, outubro 13, 2007

Anos à Frente

Ele pôs a mão no meu ombro, visivelmente preocupado "Por que cê tá chorando?", eu só consegui sorrir um pouco e dizer "Eu fugi. Eu, finalmente, fugi", nunca havia comentado que os meus planos para o futuro se chamavam "Plano de fuga". Agora estava ali, fugido, só meio fugido na verdade, porque todo mundo sabe onde eu fui. Porém, alguns milhares de quilômetros dão uma sensação de fuga satisfatória. Fico olhando o céu, idêntico ao que deixei por lá. Será que fica avermelhado quando ameaça chover à noite? Será que costuma chover à noite? Preciso me alfabetizar quanto a esse lugar. É frio, mas isso eu já esperava. Esqueci do que eu pretendia fugir, mas uma felicidade bem pequenininha me toma, então tenho certeza de que fiz bem. Ele me esperava há meses, foi o único até hoje que percebeu "... uma tristeza natural em ti". Levanto e vou pra cozinha, ele está sentando, coloco as mãos nos seus ombros, olhos fechados, a testa encostando na cabeça dele, digo bem baixinho "Eu não volto nunca mais".

domingo, outubro 07, 2007

Momentos Kodak

- Nós não temos afinidades.
- Mas tu és o meu irmão favorito.
- Mas a tua outra opção é a Silvana...
- É...