quinta-feira, novembro 22, 2007

Saudades

Hoje fiquei espatando a ler uma matéria e descobrir que eu não sabia o que eram saudades, porque na minha ignorância, eu achava que era somente algo ruim, uma ausência que corrói. Também me achava um aleijado, inacapaz de sentir saudades, que no fundo envolvia uma incapacidade de se relacionar de forma mais profunda. Então também fiquei grato, porque conclui que sinto saudades, muitas até, de várias pessoas, da Sue o tempo inteiro, do Ronan que eu só vi por um dia, de tomar picolé. Isso porque saudade, não importa quanta dor tenha junto, é sempre algo que faz parte de lembranças boas.
Esse foi o texto iluminador:
" (...) E a suidade não descende de cada uma detas partes, mas é um sentimento do coração que vem dos sentidos, e não da razão, e faz sentir às vezes os sentidos da tristeza e do desgosto. E outros vêm daquelas cousas que a homem praz que sejam, e alguns com tal lembrança que traz prazer e não pena (...) E em casos certos se mestura com tão grnade nojo, que faz ficar em tristeza. E para entender isto cumpre ler por outros livros, porque poucos acharão que dele falem, mas cada um vendo o que escrevo, considere seu coração no que já em várias ocasiões tem sentido, e poderá ver e julgar se falo certo.
Para maior declaração ponho disto exempros. Se alguma pessoa por meu serviço e mandado de mim se parte, e dela sinto saudade, certo é que de tal partida não tenho sanha, nojo, pesar, desprazer ne aborrecimento, porque agrada-me que tenha partido e pesar-me-ia se não fosse. E por sentir algumas vezes vem tal suidade, que faz chorar e suspirar, como fosse de nojo. E porém me parece este nome de suidade tão próprio, que o latim nem outro linguagem que eu saiba não é pera tal sentido semelhante.
De se haver algumas vezes com prazer, e outras com nojo ou tristeza, esto s efaz, segundo me parece, porquanto suidade propriamente é que o coração toma por se achar apartado da presença dalguma pessoa, ou pessoas que muito per afeição ama, ou espera cedo ser. E esso mesmo dos tempos e lugares em que per deleitação muito folgou. Digo afeição e deleitação, porque são sentimentos que ao coração perntecem, donde verdadeiramente nasce a suidade mais que da razão nem do siso. E quando nos vem alguma lembrança de algum tempo em que muito folgamos, não geral, mas que traga rij sentimento, e por conhecermos o estado em que somos ser tanto melhor, não desejamos tornar a el por deixar o que possuímos, tal lembramento nos faz prazer. E a míngua do desejo per juízo determinado da razão nos tira tanto aque sentido, que faz a suidade, que mais sentimos folgança por nos lembrar que passamos que a pena da míngua do tempo ou pessoa. E aquesta sauidade é sentida com prazer mais que com nojo nem tristeza. (...)" D. Duarte (1391-1438)

sábado, novembro 17, 2007

Real

Quando estou andando começo a narrar, é uma tentativa de transformar o fatos comuns em algo mais próximo do extraordinário, pelo menos fora do comum. Fora do comum seria encontrar alguém incrivelmente interessante no meio do mundo de gente que atravessa a BR pra entrar ou sair do shopping. No estado em que as coisas estão até parar de falar alguém ou "a criatura" e usar o devido "ele" já seria bastante fora do comum. No final das contas, atravessar ali sem ser violentamente esbarrado, nem esbarra em alguém seria fora do comum, acredito que até mesmo extraordinário.
É importante correr alguns riscos pra que as coisas fora do comum possam acontecer, as vezes eu faço isso. Hoje, foi ir ao cinema, às dezoito e vinte cinco decidi assistir o filme das dezenove horas, troquei de roupa e fui. Narrando a preocupação com o horário, a irritação com a lentidão das pessoas e a quantidade de gente, até o filme conseguir me deixar quieto, esquecido do mundo.
Parado, esperando um sinal incrivelmente demorado fechar, foi quando me dei conta dessas coisas. Porém, elas dificilmente fogem do comum na minha vida, dá pra inumerar algumas: eu vou todo arrumado para o cinema, mesmo quando vou sozinho; sou um ávido consumidor de sapatos, acabei de gastar quase trezentos reais em mais dois pares, absolutamente necessários devo ratificar; falo muito sozinho, mas bem baixo, detesto pessoas se intrometendo nas conversas alheias; e eu narro a minha vida, até quando só estou parado esperando um sinal.

domingo, novembro 11, 2007

À Tarde, Quando Ela Passa

Ela sempre passa às 5, eu corro pra janela e a vejo passar, nem sempre ela me enxerga pq eu me abaixo, deixo só um olho no canto da janela pra vê-la passar, se ela me vir todos os dias ali vai achar que sou desocupado ou estranho ou os dois, vai ver que sou mesmo. Uma vez me distraí, tava tocando uam música que eu gosto muito, eu cantava displicente, fora de tom, quando percebi ela tinha parado, parei de cantar no mesmo instante, a surpresa me deixou embaraçado e vermelho. O sangue passou por uma imediata transfusão por qualquer outra coisa gelada e viscosa que demorava a correr pelas veias e fazia o coração bater dez vezes mais rápido pra conseguir bombeá-la. Ela sorriu, baixei o olhar e sorri de volta. Ela seguiu seu caminho e eu fiquei só de novo, com vertigens, prestes a desmaiar. Então aconteceu, fiquei eufórico, me descobri um daqueles apaixonados platônicos, que se contentam com pouco, verdadeiras migalhas afetivas, que me fizeram arder de paixão adolescente, mais uma prova da minha imaturidade emocional. O cinismo me fazia ciente de todos os indicativos de uma paixonite aguda, mas era um diagnóstico inútil, porque a paixonite é irremediável, não importa o grau de consciência.
Resolvi que a conheceria nos mais íntimos e desconhecidos detalhes que se pode conhecer alguém sem sequer perguntar seu nome. Nas semanas seguintes, na hora em que ela passava, eu me abaixava, de olhos fechados, ficava atento para ouvir o som dos seus passos, descobri que eram curtos, um pouco arrastados, aprendi o som que faziam quando ela estava de salto e que às sextas-feiras ela sempre usava sandálias. Uma vez eu estava no açougue, ouvi seus passos dobrando a esquina, de imediato me escondi, o açougueiro me lançou um olhar de estranheza, quando ela passou da porta coloquei o rosto pra fora, ela usava um vestido azul claro. Lógico que ela usava algo claro, eu jamais me apaixonaria por alguém que não tivesse a leveza dela. Era negra, disso meu pai não iria gostar, felizmente ele já está morto, mas faço questão de chegar bem do túmulo pra contar "Pai, eu vou casar e ela e às é pretinha feito carvão. Tenta me impedir".
O mais extraordinário desse dia foi o cheiro, tinha um pouco de flor e madeira, se fechasse os olhos eu o enxergaria em linhas saindo dos pulsos até o meu nariz. Fui guardando ela aos poucos. Uma vez eu estava andando e senti o cheiro, mas ela não estava por perto. Outra vez ela atrasou, fiquei muito preocupado porque parecia que ia chover. Da vez que ela não foi trabalhar então foi um inferno, fiquei lembrando do chefe nojento demitindo a coitada, ou do motorista irresponsável que a deixou caida no asfalto com um corte da testa que sangrava muito. Mas no outro dia ela voltou, então ficou claro que o desgraçado tinha se dado conta do erro idiota que estava comentendo e pediu desculpas à coitada, não havia curativo então, graças a Deus, não houve acidente.
Um dia eu sentei no degrau da portinhola do quintal, na hora em que ela passasse eu diria "oi". os minutos foram se aproximando das cinco e quanto mais próximos, mais parecia que havia um número infinito de nano, mili, micro e o diabo de segundos entre às 16:49 e às 17 em ponto. De novo aquela coisa foi colocada no lugar do meu sangue, a minha testa, eu tinha certeza, começava a se encher de pingos de suor frio, tinha a impressão que até o hálito me saía gelado, fazendo fumaça. Meu Deus, que ódio de mim, ela passou, olhou pra mim, sentado ali, nem levantei os olhos, era sexta e ela usava sandálias, o cheiro estava ali, entrei correndo, bati a porta, ouvi os passos se afastando e a linha do cheiro se tornando tênue, até sumir.

segunda-feira, novembro 05, 2007

Já entendi qual o problema, é que eu tenho a inteligência emocional de uma criança de três anos de idade. Como eu sei disso? Eu convivo com uma ora bolas: a negação pelo puro prazer de dizer "não" às pessoas, as cutucadas e mordidas pra atrair atenção ou pra meramente demonstrar carinho, beijos e abraços são muito "over", e a clássica inabilidade de cuidar de si mesmo, exceto quando diz respeito a higiene, principalmente de partes íntimas, com essas eu prefiro não receber ajuda. Jutando isso com a paranóia de uma mulher mal amada, que fica o tempo inteiro pensando coisas ruins e dizendo pra si mesma "pára com isso, pára com isso", claro que não falo sozinho, todas essas discussões são internas, o que muito provavelmente as torna ainda mais patológicas. E a já mencionada falta de traquejo, outro dia tinha um casal conhecido se comunicando de forma infantilóide, acredito que a minha indisfarçável cara de nojo não passou despercibida, mas preciso deixar bem claro de que ela foi involuntária, porque no fundo isso deve até ser fofinho, isso em algum nível ainda desconhecido para mim, mas acredito piamente que ele existe. Esse conjunto dá uma entidade complexa e bastante patética. Eu...

domingo, novembro 04, 2007

Tô precisando de literatura feliz, o que constitui um sério problema, porque boa parte dos livros que eu gosto não são felizes, pior a maioria dos livros felizes não são bons, Frank Hoover do "Little Miss Sunshine" me apoia pra dizer isso. Ok, ok, a minha grande favorita Jane Austen sempre tem finais felizes, mas só depois de muito, em especial no razão e Sensibilidade, muito sofrimento mesmo. O que eu quero é um boa quantidade de glicose, soma, pílulas o que quer que seja, mas que me deixe entorpecido por uns quantos dias, feliz, sonhando com anjinhos cor-de-rosa com bolinhas azul bebê. Quero a tal da leveza de que eu sempre falo, nem que seja à força.