domingo, novembro 26, 2006

Wake Up Alone

Eu costumava guardar o teu lado da cama, só dormia no meu, o teu ficava intacto. Não melhorei não, acho que tô até pior do que antes. Agora eu durmo do teu lado da cama. Nem quero mais saber do meu. Fico tentando sentir algum resquício de perfume que possa ter sobrado, ou alguma presença fantasmagórica tua. Impossível, você não tá morta. Mas mesmo assim eu durmo ali, tentando ocupar o espaço que você deixou. Não importa se o meu fica vazio, o teu é que anda fazendo falta. Nada mais tem o teu cheiro em casa, só o olfato que fica pregando peças, sinto o teu cheiro e me viro, mas era só a lembrança de algum dia que você passou por aquele canto e eu senti o teu cheiro. Não tem mais nada teu aqui, exceto toda a mobília, a cor das paredes, o faqueiro feio, os guarda-chuvas quebrados, as revistas velhas. Não, isso é tudo meu também, mas a tua mania de se apossar das minhas coisas. Pra mim parece que tudo aqui é teu. Até filho, se nós tivéssemos algum, seria "nosso" filho e "teu" filho, mas duvido muito que fosse "meu" também. Ainda bem que não tivemos nenhum, era capaz de você ir embora e deixar o coitado aqui. Você não tem coração. E eu, que fico fungando lençol lavado, que não tem mais nada de ti, não tenho um pingo de amor próprio. Um dia desses deixei tudo branco, peguei tudo, joguei na máquina e enchi de alvejante. Ainda bem que tinha pouca coisa no cesto, ficou horrível. O pior de tudo é acordar, porque seja um dia bom, seja um dia ruim, a gente sempre precisa acordar. E dias bons apenas significa acordar e você não ser o primeiro pensamento do dia. Porque isso é inevitável, uma hora do dia eu vou pensar em você. Desalmada. Nem te xingar decentemente eu consigo. Mas é só ao vivo, porque na minha cabeça já ensaiei todas as vezes em que "santa" foi o último dos nomes que chamei pra você, humilhações em público, baixaria mesmo. Pode ter certeza que na minha mente já fui vingado. Acho que é por isso que te perdôo, já fiz e falei tanta coisa. Sinto até um pouco de vegonha.

sexta-feira, novembro 24, 2006

Lado B

O perfume era fatal pra mim. Ela sabia disso, sempre vinha cheirosa. Não importava onde eu colasse minha cara, lá estava aquele cheiro doce. Me dava ânsia de puxá-la pela cintura "Não é assim que você me conquista". Com ela tinha de ser diferente, era tudo na base dos pequenos gestos. Toques suaves, um pouco de dança, nisso eu sempre me complicava, pés chatos e pesados desde que nasci. Ela se divertia com meu embaraço. Na verdade acho que só não me largou antes porque eu a divertia. Fazia tudo certo só que nos dias errados. "Dessa vez eu resolvi dar uma chance pro homem errado". Odiava meu cigarro, mas eu sempre pude dizer que ela me punha estressado. Era verdade mesmo. Me dava uma dor estranha no peito toda vez que a via, parecia que por meio segundo meu coração parava. Esse, que já não era dos melhores, me foi tomado. Percebi isso quando perdi o equilíbrio, era a falta dele no peito que me fazia andar penso, atropelando os próprios pés. Isso não me deixou mais leve não, fez eu me sentir oco, isso sim. Nunca acertei as flores favoritas "Você nunca consegue passar da obviedade". Acho que ela me odiava, mas pelo menos não me mandava embora. Dessa vez eu acerto. Desalinhado, com uma garrafa de vodka e molhado da chuva. Desssa vez ela vai dizer que eu sou o certo. Vai me receber em casa. Vai ter aquele perfume. Aquele que é fatal pra mim. Tá frio, será que ela vai ligar de eu tomar um pouco? Não, quando eu chegar lá vai me fazer sentar no chão perto da poltrona pra secar meu cabelo e eu vou ficar quieto, sentindo seu cheiro, não vou mais sentir o frio. Vou me declarar, vou dizer que a amo. Ela não teria coragem de me jogar um salto de novo. Não teria essa maldade. Deve ter sim, mulheres são todas más. Elas vêm pra essa vida só pra fazer o inferno do homem. Não só jogava, como ia acertar bem na testa de novo e iria gargalhar da minha cara. Mas o cheiro daquela diaba. Ah, o cheiro, dá vontade amassar a cara no poste só pra não ceder a tentação. Porta fechada. Não adianta, vô ficar aqui no batente, vô tomar só um pouco pra esquentar.

segunda-feira, novembro 20, 2006

Para Você (Totalmente Descontrol) - Wake Up Alone

Fico andando ao redor da mesa tentando queimar o álcool. Não adianta nada porque eu bebo cada vez mais. Até a hora que eu caio, nas primeiras vezes consegui levantar e continuar andando, andando pra fingir que a sala não tem fim ou que ela tem fim, mas eu ainda não consegui chegar lá. Mas dessa vez eu não consegui mais levantar. Ou então a sala acabou. Cheguei no final dela. O pior de tudo é que tá que nem o início, vazia. Só eu, bêbado, jogado, fedendo com barba de um mês já. Só consigo levantar o suficiente pra vomitar. Caindo de novo, droga não quero encostar no vômito. Nojo. Eu consigo enxergar ele. Não tá se espalhando, não vai chegar em mim. Merda, lá se vai meia garrafa de vodca. Quando eu acordo, já tá seco, mas a sala tá fedida. O gosto na boca é o pior. Tenho de trabalhar hoje. Faz três dias que eu não apareço. Não vou trabalhar. A água foi cortada. Coloco o resto de vodca na boca, balanço lá por dentro depois engulo de uma vez. Será que eu já acostumei com o gosto por isso não parece tão ruim? Será que eu tô fedido? Pelo menos o álcool não manchou a roupa. O traveco na rua me chama de "gato", vai ver que eu não tô tão fedido ou ele queria minha vodka. Merda de tontura, se quebrar essa garrafa não tenho mais nada. Sai daqui pivete. Odeio pivete. Vô beber um pouco antes de chegar em casa pra conseguir acordar direito. Que horas são? Essa porcaria amarelada deve ser o Sol nascendo. EU TE ODEIO DESGRAÇADO. Filho da puta, se não fosse por ele não tinha fotossíntese, nem oxigênio, nem vida, nem porra nenhuma. Agora essa porcaria só serve pra dar câncer, pior que cigarro essa merda. Essa é minha última garrafa. Eu juro. Depois eu vou pro escritório, preciso trabalhar. Não tem água. Não tem problema. Não tô fedido. Até de gato o cara me chamou. Eu sou bonito. Sempre fui. Ninguém vai notar, eu vou sentar na mesa e ficar invisível. Nunca falo com ninguém. Nunca falei. Lá tem café. Será que vão notar se eu pôr vodka nele? Amanhã eu vou pro trabalho. Tô sem sapatos. Onde será que deixe o meu sapato? Odeio essa vizinha com essa cara histérica. Fala a verdade sua bruxa. Ninguém te come faz anos, não é? Ninguém nunca fungou teu pescoço ali embaixo da orelha. Mal comida. Isso, vai pra dentro mesmo, vai fuxicar pros teus gatos sobre mim. Merda de porta que não fecha. A cadeira, é só encostar ela na porta. Vô beber aqui mesmo. Batendo com a cabeça na porta assim, até parece que é alguém que veio me visitar que tá batendo.

sexta-feira, novembro 17, 2006

Miles To Go Before I Sleep

Ele voltava a pé pra casa. Sempre voltava a pé e sozinho. Cantarolando baixo e fora do tom. Não importava muito fazer bonito, afinal estava só, podia cantar do jeito que quisesse, até errar a letra. Próximo havia um travesti se prostituindo "E aín amor? Tudo bom?". Lembrou que fazia anos desde que alguém lhe perguntava isso. Ele nem parou "Tô, tô bem sim. Obrigado por perguntar".

terça-feira, novembro 14, 2006

Mudança de Planos

Dia cinzento hoje. Daqueles que te fazem ficar meio pra baixo, ainda que você não esteja mal de verdade. Saindo da aula teve um pouco de garoa, fui andando mesmo assim. Nada de guarda chuva hoje. Eu sou o garoto estranho do guarda chuva gigante, já me conscientizei disso. Dia ruim. Como saber se ele é ruim? Eu disse que é, pra mim isso basta, tenho minha própria palavra em alta conta. Até tentei melhorar, escrevi um texto sobre um casal se reconciliando, perdi o texto. Fico ouvindo as esculhambações da Amy, são todas pra mim, o inútil que se acha super inteligente "Are you gay?". O quarto tá uma bagunça, se eu quiser usar a cadeira preciso encher a cama de livros, se quiser dormir, o mesmo, mas eu tenho dormido pouco. As vezes parece que tô tentando abrir espaço na minha cabeça à martelada. Ontem o arte moderna dormiu do meu lado, acordei porque dei de testa no livro. Joguei na cadeira junto com o resto, isso na verdade é um exercício de harmonia e equilíbrio. Ainda preciso de mais um tempo debaixo da cama. Dia ruim, definitivamente.

sexta-feira, novembro 10, 2006

Mesmice

Eu passo o dia inteiro pensando em dizer "eu te amo", mas toda vez que me aproximo tenho uma certeza idiota que você já sabe disso. Acabo não dizendo nada. Olho você e dou te dou um sorriso com os lábios apertados, acho que meus olhos devem brilhar nessa hora. Obviedade, meu grande defeito, sempre pode-se saber o que passa pela minha cabeça, uma meia dúzia de frases de efeito, um pouco de pornografia e o verniz de cultura que eu passo na cara. Esse último é o que me preocupa mais. É demais pra mim conseguir ser perfeito, encontrei minha impossibilidade. No final das contas acabo descartando a simpatia, se além de tudo eu ainda for obrigado a ser simpático, eu explodo. Sou simpático com você sim, mas isso não é de graça não, meus sentimentos justificam boa parte da minha simpatia. Eu tenho todas as intenções do mundo de que você pense primeiro em mim. Não vejo nada de errado nisso.

segunda-feira, novembro 06, 2006

Amor (Sempre)

O tema mais abordado nesse blog é o amor, recalque em segundo lugar. Nada de ficção hoje. Hoje o tema é "Por que diabos eu não consigo falar de outra coisa que não seja relacionamentos". Sempre pula alguma pessoa, ajeitando os óculos numa atitude pseudo freudiana, pra te dizer "Ah, é óbvio. Você só não consegue controlar bem esta parte da sua vida, por isso você tende a dar mais atenção a esse aspecto da sua vida". Tá, eu sou a única pessoa que eu conheço que consegue se interessar por duas outras ao mesmo tempo sem que nenhuma das duas me ache minimamente interessante. Mas por outro lado, meu estágio é a coisa mais medíocre que já fiz na vida, eu fico tão desocupado que sobra tempo até pra escrever no blog aqui. Passo os dias inventando apelidos para os usuários dos computadores, tipo o "Estudante_fogoso_22". Ele vem aqui todos os dias e fica em salas de bate-papo, eu deveria expulsá-lo, mas me compadeci da situação do pobre, buscando sexo casual, não vejo mal algum nisso. Tem a vesga, essa eu odeio, não sou preconceituoso contra vesgos, também não sou simpático com eles, mas dela eu não gosto mesmo. Isso porque um dia dia desses tinha um pobre dum rapaz romantizando horrores com a vesga. Não é recalque porque ele estava romantizando com ela não, é raiva porque a energumina tava fazendo o maior cu doce pro coitado. Virava a cabeça pro lado tentando fazer a cena dos cabelos esvoaçantes, que falhou lógico, e o coitado foi embora cabisbaixo. Minha vontade era de pegar a vesga pela orelha "Vem cá. Fala com ele. Romantiza com o coitado. Vesga abestada". Tem também a estudante de psicologia que passa a tarde no guruweb jogando tarô on line, pelo menos eu me consolo de não ser o maior desocupado a frequentar o local.
Em casa é um pouco problemático, como eu recomecei a universidade do zero, ainda tenho de morar com a família, que é relativamente pequena, se você não considerar também quatro domésticas, que não conseguem fazer muita coisa porque passam boa parte do dia brigando pelos materiais de limpeza e panos de chão e por quem foi que estragou a roupa dessa vez. Além disso, não importa o quão inteligente você seja, é muito difícil conseguir respeito de alguém que sempre pode usar o argumento de que já teve de limpar suas partes íntimas. Acreditem esse é um argumento forte. Especialmente quando você larga uma "carreira" que iria incluir doutoramento antes dos 30, já tem 23 e continua não tendo um trabalho comum do tipo 8:00 às 17:00, numa casa onde todo mundo tem um desses desde antes de você entrar na universidade pela primeira vez. Um dia desses me disseram "Tu és o artista da casa, né?". Devo ser como aquelas crianças que cagam e espalham a merda na parede.
Mas existe uma coisa que eu faço bem, sou um excelente aluno. Agora eu sou, antes eu gazetava pra ir comer na padaria, tudo culpa do meu gordo interior. O foda é que não dá pra institucionalizar estudante como uma profissão que pague, tipo aquelas das 8:00 às 17:00.
Tudo isso pode não ser muita coisa comparado aos problemas de outras pessoas, mas eles são meus, me reservo o direito de choramingar por todos eles. Só não entendo por quê estar sozinho acaba sendo mais relevante que o resto. Enfim, eu sou tão autosuficiente, eu vou no cinema sozinho, compro livros só, vou ao restaurante sozinho, já aprendia limpar as partes íntimas sozinho até sexo eu faço só, esse último não por minha culpa. Então por que eu não consigo viver sozinho também? Se alguém ousar dizer que "o homem não é uma ilha" leva um all star na cara. Mas a verdade é que o que incomoda mesmo é o sentimento de que eu vim ao mundo com uma placa na cabeça com os dizeres "NÃO SERVE".

sexta-feira, novembro 03, 2006

Nada de Mais (Broken Hearted)

- Eu só queria saber o que faz dele tão especial que não te permite olhar pra mim.
- Não sei - desvia o olhar pra calçada, dificilmente se sente tão constrangida quanto quando recebe uma declaração.
- É só isso? Você não sabe?Essa é a única resposta que a tua aclamada profundidade consegue produzir?
- Essa conversa não vai levar a lugar algum. Não sei nem por quê eu tô respondendo.
- Porque eu tô dizendo sem exagero algum, sem ilusão alguma que eu te amo. É impossível não se sentir comovida com uma declaração dessas.
- Sim, você acordou e decidiu que me amava? Simples assim? Vou te dizer o que é isso, muito filme água com açúcar na tua vida.
- Não. Foi mais uma constatação científica. "Acima de tudo temos de ser científicos" lembra? Convivemos bem, temos carinho um pelo outro, atração física existe, pelo menos eu sei que eu sinto. Você...não sente?
- Isso não vem ao caso. Eu gosto... mais dele.
Ele senta na cama:
- Vem cá, deixa eu romantizar só mais um pouquinho.
- Já tenho de ir.
- Eu sei, fica só um pouquinho comigo.
Ela senta e deixa ser abraçada. O peito se aproxima das costas dela os tecidos antecipam o contato dos corpos, os braços se fecham na barriga e a mão direita se fecha sobre a mão esquerda dela, pequena, bem feita. O toque dele trasmitia todo o sentimento guardado, é terrível não conseguir corresponder o amor alheio. Ele continuou:
- Sabe... Eu sei que não posso me prender por você, mas só por enquanto vou esperar por você, tá?
Ela hesita, o outro deve estar esperando. Aquele que já nem gosta dela tanto assim, mas o tempo juntos pesa. O tempo é implacável. Não costuma fazer loucuras:
- Eu... vou ficar mais um pouquinho.
Ele encosta o rosto nos seus cabelos, sente o perfume familiar. Seu corpo dava uma sensação de suavidade. Fecha os olhos tentando esquecer o mundo.