domingo, setembro 30, 2007

Momentos Kodak

- Ai, o menino estava difícil hoje.
- Por mim, parte ele em dois e enfia de volta no útero da mãe, pra ver se dá pra devolver.
- Leandro...

Momentos Kodak

- Ai, a louca não vai se mudar daqui nunca?
- Oh meu filho, não fala assim dela que isso chama.
- Que chamar o que mãe? O que quer que estivesse pra vir, chegou faz tempo, ela tá doidinha.

quarta-feira, setembro 26, 2007

Atualidades

- Que cê tá fazendo aqui? - ela está surpresa, os horários são precisos e ele sempre chega as seis.
- Vim te ver - ele sorri
- Estou pasma - levanta, coloca uma cadeira pra ele próximo a sua.
- Estou sendo controladamente espontâneo, o truque é fazer tudo parecer muito natural.
- E o que aconteceu com o genuinamente espontâneo?
- Ultrapassado.
Ela não contém uma gargalhada, segura o rosto dele com as mãos e lhe dá um beijo, breve e carinhoso. Pega sua bolsa, desliga o computador.
- Vem.
- Pra onde nós vamos?
- Tomar sorvete.
- Sorvete?!
- É, estou sendo programadamente romântica.
- Pelo amor de Deus mulher, e onde está o verdadeiro romance?
- Ausente, faz tempo - seus olhares se cruzam, ela tem um sorriso no canto dos lábios - igualzinho Deus.
- Sorte que nós temos substitutos a altura - ele sorri, a segura pela cintura e levanta-a do chão.

segunda-feira, setembro 17, 2007

Ela

Perto dela eu me sinto feliz. Quando estamos juntos eu esqueço, acho que ela esquece um pouco também. Tento forçosamente fazê-la compreender que eu sou o que falta na vida dela. Perto dela eu falo e ela nem precisa me pedir pra falar. Quando eu escrevo ela tá lá. Já dei metade de toda a minha felicidade pra ela guardar, esse foi o meu depósito e só ela sabe do que eu tô falando. Outro dia me disse que tinha saudades e eu calei, mas foi porque fiquei emotivo e homens de lata não ficam desse jeito, ela me roubou o chão. Junto com ela eu ando bastante, sempre falando, falamos o tempo inteiro, com ela eu falo tudo que eu não falo com os outros. Perto dela é assim.
cause I´m a better man, moving on to better things

domingo, setembro 16, 2007

Sonhos (Sempre Estranhos)

Sonho acordado, principalmente na hora de ir tomar banho, sonhos estranhos, minhas mãos ainda estão na pia, mas o reflexo coloca a língua pra fora, passa o barbeador até sangrar, eu pisco e ele já está passando a lâmina pelo rosto. Lavo o rosto e o reflexo se comporta, mas enquanto eu faço o bigode ele corta o rosto de novo, parece se divertir. Só me ocorre que o normal deve ser sonhar acordado com sexo ou masturbação. Mas eu gosto quando tá tudo pegando fogo, em sonho a gente não se queima, só sente um pouco de calor.

sexta-feira, setembro 14, 2007

Momentos Kodak

- Não curto esse cara.
- E daí? Tu não curtes ninguém.
- Mas alguns eu curto menos ainda.

terça-feira, setembro 11, 2007

Desvio para o Vermelho

Desculpa, mas eu percebi que não vou conseguir perdoar teus atrasos. Não consigo lidar com o livre arbítrio alheio e a possibilidade dele me magoar. Descobri, sou um ser humano completamente desprovido de meios para lidar com os outros, eles me agridem com facilidade e sem nem ao menos se dar conta disso. Essa fragilidade nos outros assusta. Porém, percebê-la em mim é ainda pior. Sinto um frio por causa dela, mas alguém culpa a minha magreza pelo frio e me sinto mais longe deles. É o desvio para o vermelho, quando você se dá conta de como tudo aquilo estava te afetando, e quando olha pra trás ele só aumenta. É por isso que eu só consigo ficar sozinho.

segunda-feira, setembro 10, 2007

Casamento

- Nós precisamos deixar algumas coisas claras - Ela parece decidia, como se estivesse pronta a fazer exigências.
- O quê?
- Eu acredito em Deus.
- Você?! Sério? - as sobrancelhas denunciam uma surpresa maior do que ela esperava.
- Sim, eu, tá vendo, sabia sabia que você ia reagir desse jeito.
- Desse jeito como?
- Com sarcasmo.
- Deixa de ser paranóica, eu fiquei surpreso, só isso.
- Sei...
- Não tenho problema algum com pessoas que acreditam em Deus, até gosta de várias delas.
- E eu sou uma total retardada socialmente, quase não consigo lidar com pessoas que dirá com os sentimentos delas?
- Mais alguma coisa?
- Sim...
- O quê?
- Ah, sei lá, tem uns seis bilhões de seres humanos no planeta, se eu não trepar pelo menos com uns mil, vou sentir como se não tivesse vivido.
- Doida...
- Mas ao mesmo tempo. Eu penso...Eu acho que... Bom - ela baixa os olhos, fica um pouco corada, gesticula muito, tentando organizar as idéias com as mãos - eu me pergunto todo os dias se eu realmente te amo, porque eé capaz de todo esse tempo que já passou ter transformado o sentimento, amor é algo hormonal, ele tem tempo de duração, igualzinho a paixão, mas eu sempre chego a conclusão de que no final das contas que sim, eu amo...
Ele dá um sorriso largo e a abraça

quinta-feira, setembro 06, 2007

O Tempo

O gato deitou no tapete, tentado se aquecer e escapar do vento gelado que invadia a sala pela janela. Ana não se movia, ficava sentada à janela observando aquela mesma chuva torrencial de todos os dias, sempre no mesmo horário, às três, logo após ela se levantar da sesta.
Há três meses que todos os dias eram assim, logo depois que a chuva passasse o gato iria se enrolar em sua perna e ela o traria para o colo, continuaria olhando pra fora, vendo a nuvem de chuva se afastar para a baía, fazendo o horizonte adquirir uma tonalidade acinzentada. Dava pra ver as mulheres recolhendo as roupas do varal e um grupo de moleques que sempre saía pra jogar na lama.
Nesses exatos três meses, em que as tardes eram preenchidas coma apreciação do mundo, Ana passava as dores de sua primeira desilusão amorosa, Ana amava Mário, que amava de volta, pelo menos até o primeiro mês em que ele esteve longe. Esperava casar-se assim que ele voltasse da universidade em outro estado. Não voltou, e para Ana mandou uam carta, revelando seus novos planos, nos quais ela havia sido substituída por uma moça chamada Adélia, a qual não tinha culpa alguma e era uma boa moça, tão boa quanto Ana, e se havia de ter algum culpado, esse só poderia ser o destino.
Tempo, tempo iria fazer tudo ficar melhor, isso lhe foi garantido por todos, inclusive por Mário em sua carta desmanchando seu antigo compromisso. Então, a moça resolveu esperar o tempo passar. No primeiro mês, tudo ainda estava recente demais, no segundo ela só tinha a certeza de que ainda doía bastante e passou a olhar tudo aquilo que se podia ver da janela do seu quanto, no segundo andar da sua casa. No terceiro mês, a dor continuava igual.
Espantava-a como tudo sempre parecia ocorrer sempre da mesma forma. Até que um dia, no vigésimo sétimo dia do terceiro mês, ela notou uma pequena flor que crescia no muro da casa em frente a sua e que foi levada pelo vento. No vigésimo oitavo dia, ela estava de volta e supreendentemente, foi levada por uma lufada de vento, não podia ser coincidência, porém, para se certificar, no vigésimo nono dia, ela prestou atenção em todos os detalhes, e como esperava tudo se repetiu, tudo exceto ela.
Ela contou os minutos no relógio, a chuva sempre caía às três, então ela passou a olhar também para o ponteiro dos segundos e esse também mostrava que às três em ponto era extamente.Ela percebeu algo talvez banal, todo dia era exatamente igual ao outro, porém essa constatação era justamente o que havia de mais extraordinário acontecendo. Todo dia era exatamente igual ao anterior. (Talvez continue)

segunda-feira, setembro 03, 2007

In This World

O tempo passa de forma diferente dependendo de onde você está e da forma como você se movimenta - não estou inventando, isso faz parte do postulado da teoria da relatividade geral, sim aquela do Einstein. Aqui, às vezes, parece que ele não passa, quando alguém me pergunta sobre as perspectivas para o futuro, a única coisa que consigo responder é que espero ser velho, velho e rabugente, já que eu sou novo e rabugento, rabugento funciona bem pra mim.
É impossível saber como as coisas vão ser, tão impossível quanto saber como elas poderiam ter sido, se a dez anos atrás alguém me perguntasse onde eu estaria dali a dez anos, eu teria certeza de que seria adulto, então isso quer dizer que eu teria de ser adulto agora, mas não acredito que este seja o caso. Se fosse há sete anos atrás, eu deveria estar entrando no doutorado em genética. Se fosse apenas há três estaria em uma agência de publicidade. Se fosse ano passado eu já estaria admitindo não fazer a menor idéia do que esperar para o futuro. Nem mesmo a esperança de uma súbita epifania, isso é um equívoco: criar esperanças de que um momento singelo ou um breve encontro vá mudar toda a sua perspectiva sobre a vida, esses, em sua maioria, ficam restritos ao cinema.
Ando tentando, disso pelo menos eu tenho certeza, ando tentando.

sábado, setembro 01, 2007

O Barco (final)

Desde que o barco apareceu a criança passava mais tempo nele do que em qualquer outro lugar, as outras ou tinham medo ou foram proibidas de chegar perto. Por um tempo o seu aparecimento trouxe certa notoriedade àquele bairro esquecido, que durou até o tempo de se tornar notícia velha.
Todos os dias trazia aquela flor, única, que só nascia num pedaço de chão dentro do barco, protegida do sol carrasco que iluminava por ali. Certa vez o monstro chegou mais cedo, perguntou onde estava o filho, assim que soube o que acontecia viu-se inconscientemente em uma situação privilegiada para deliberadmente prejudicar o filho. Pegou um machado para derrubar aquela aberração, a criança teria se oposto caso a mãe não a tivesse impedido. Não demorou para o barco ser destruído e a selvageria do homem ser parcialmente aplacada.
No dia seguinte todos ficaram alarmados, porque, sem que ninguém percebesse, o barco havia magicamente se refeito durante a noite, como se jamais houvesse recebido um ataque furioso de um homem de força descomunal. Descrente, ele resolveu repetir o ataque do dia anterior, mas no dia seguinte 'ele' estava lá, o novo inimigo estava lá.
O pior aconteceu num domingo, deixou a mulher e filho em casa e foi para um bar. Porém, a bebida não o fazia esquecer que 'ele' estava lá, na verdade fazia pior, ele não conseguia pensar em outra coisa que não fosse o inimigo infernal. Resolveu que daria cabo dele definitivamente, comprou um galão de gasolina. Trançava as pernas, mas manteve a força nos braços.
Esbravejava impropérios à um homem inexistente enquanto jogava a gasolina no barco, sem saber que escondido, no canto escuro onde colhia a flor todos os dias, estava seu filho, paralisado de medo com a voz do pai. As chamas começaram a consumir o barco e a criança gritou por socorro, mas seu pai gritava para o barco, seu inimigo, que este jamais teria salvação. Quando o fogo alto e a gritaria chamaram atenção dos vizinhos e de sua mulher na casa, todos foram para rua ver o que acontecia.
Assim que chegou próximo ao marido pôde ouvir os gritos do filho, segurou-o pelo braço, gritando "O que você fez com meu filho? Seu monstro, você é um monstro, desgraçado", ela teria continuado, mas ele, finalmente desperto, percebeu o que havia feito, lhe deu uma pancada tão forte que deixou seus dentes moles, antes de desmaiar ela ainda viu o fogo laranjado consumindo o barco. Ele fugiu e jamais foi visot outra vez. Os vizinhos a levaram para sua casa ainda desacordada, ninguém conseguiu apagar o fogo. O corpo da criança não foi encontrado, mas ninguém duvidava de sua morte.
Ela chorou por muito tempo, ao acordar encontrou em cima do lençol aquela mesma flor que lhe era trazida todos os dias, procurou o filho cheia de uma esperança desesperada, mas não o encontrou, era impossível. Seguiu com sua vida e eventualmente morreu, sozinha. A vaga existência tanto sua quanto de seu filho e marido e de um barco foi logo esquecida.