segunda-feira, abril 30, 2007

O Circo - Fim (mais um fora da geladeira)

Iniciado nesse post http://cosmo1265.blogspot.com/2006/07/o-circo.html e finalmente terminado
***
- Portanto preciso pedir que vocês dêem a volta, paguem seus ingressos e entrem pela porta.
Embora fossem crianças que não se assustassem com facilidade e não temessem sapos, Haroldo e Clarissa sentiram-se intimidados por um sapo daquele tamanho, com uma capacidade de vocalização excepcional se comparada ao "coach" normal dos outros sapos com quem tinham se confrontado até o presente momento. Mesmo intimidado Haroldo conseguiu pensar em uma resposta bastante lógica:
- Mas Sr. Sapo, nós estamos dentro, então não somos mais da sua responsabilidade.
O lábio do sapo ficou um pouco vincado no canto e seus olhos brilharam, como se uma brilhante idéia tivesse acabado de lhe ocorrer:
- Ora, mas vocês estão certíssimos, como vocês já estão dentro, eu não cometi nenhuma violação no meu contrato. Pois bem crianças, sentem-se onde bem entenderem - dessa vez com um sorriso largo e fazendo um movimento em arco com o braço como lhes oferencendo todas as cadeiras do picadeiro, o sapo lhes deixou passar.
Algumas pessoas já entravam e se acomodvam nas cadeiras, os irmãos se apressaram para conseguir bons lugares. O espetáculo começaria assim que todos os lugares estivessem ocupados, um casal de namorados que havia comprado seus ingressos mais cedo voltou desanimados para casa, pois quando o bilheteiro viu que os lugares estavam todos ocupados teve de lhes pedir desculpas e devolver-lhes o dinheiro.
Com todos acomodados as luzes foram desligadas, ouviu-se o som de fortes tambores rufando por todo o circo e uma voz muito grave se destacando de todos os outro barulhos se fez ouvir:
- RESPEITÁVEL PÚBLICO - alguns holofotes foram ligadas, iluminando o picadeiro, ocupado por um homem alto, de cavanhaque, que carregava um chicote e usava as roupas vermelhas e cartola de domador - VAI COMEÇAR O VERDADEIRO GRANDE ESPETÁCULO DA TERRA, O CIRCO MÁGICO
Os tambores em uníssono fizeram um único e grave som e as luzes foram religadas, nesse momento o picadeiro foi invadindo por cachorros malabaristas, a jaula do grande leão estava iluminada também e ele rugiu assutando algumas crianças, um pequeno fusca que buzinava uma música fora do tom zigue-zagueou pelos animais e quando parou, um número improvável de palhaços saiu de dentro. Somente uma parte do picadeiro não estava iluminada, deixando uma silhueta feminina pouco diferenciada nas sombras.
Haroldo e Clarissa observavam tudo com muito entusiasmo, até que um dos palhaços passou próximos aos irmãos e a menina notou que havia algo de errado. Mesmo sorrindo e fazendo palhaçadas, ele não conseguia disfarçar que seus olhos, negros e pequenos como contas não tinham brilho algum, mesmo com as belas estrelas desenhadas ao redor de cada um de seus olhos para disfarçar, Clarissa notou que eram contas e não olhos de verdade. Imediatamente ela chamou a atenção do irmão para o que acabara de perceber "Veja, o palhaços ele é de brinquedo", mas o palhaço já se afastara dos dois:
- Deixa de ser boba e pára de inventar besteiras.
Entretanto, nesse exato momento um dos cachorros acrobatas acabara de terminar um mortal bem na direção de suas cadeiras e o menino percebeu a mesma expressão triste e pior que a pelúcia do pequeno poodle estava muito mal remendada:
- Oh meu Deus, você tem razão.
Os tambores voltaram a rufar e as luzes se concentraram na jaula do grande leão. O domador entrou puxando um grande círculo preso a uma base com rodinhas consigo. Anunciando o próximo grande número:
- Senhoras e senhores, agora, o nosso bravo leão fará o perigoso número de atravessar o círculo de fogo - o domador se afastou e estalando o chicote contra o círculo, este se incendiou.
Os irmãos espremeram bastante os olhos para dar uma boa olhada no leão e isso lhes deixou aterrorizados, pois perceberam que o pobre leão era feito de um belo origami, mas que já tinha sua juba cheia de pequenas pontinha pretas, chamuscadas pelo tanto de vezes que fora obrigado a pular o terrível círculo de fogo. Clarrisa não se conteve, levantou-se da cadeira e gritou:
- Não, parem com isso, é crueldade.
Muitas pessoas em volta riram do que acreditavam ser a reação de uma garotinha com nervos a flor da pele, só uma senhora próxima colocou a mão no seu ombro e lhe deu um sorriso "Não se preocupe minha filha, o domador é um profissional, jamais deixaria algo de ruim acontecer ao leão". Haroldo abraçou a irmã, que com lágrimas nos olhos, escondeu o rosto no peito do irmão:
- Por que eles não conseguem ver?
O chicote estalou mais uma vez e o leão pulou, chegando ao chão deu um forte rugido, outro estalo o fez voltar ao seu lugar, mais uma pontinha de sua juba havia sido chamuscada ao passar pelo círculo.
O show continuou, um belo arlequim fez muitos malabarismos arriscados tirando o fôlego da platéia, os palhaços voltaram para novas piadas, até que os tambores voltaram a avisar o outro ponto alto da noite. As luzes se voltaram para iluminar o canto do palco onde a silhueta feminina se encontrava, mostrando uma jovem bailarina, toda de porcelana como unicamente Haroldo e Clarissa puderam observar, ela passara a noite inteira com os pés unidos na pontas assim como os braços. Uma bela música começou a tocar e ela a dançar, deixando todos na platéia boquiabertos. Os irmãos perceberam que ela estava presa por fios bem finos que estavam erguidos pelo teto. Quando a música terminou, as luzes na direção da bailarina se pagaram e ela ficou parada, na mesma posição em que a dança terminara, com a perna direita estendida para trás e o braço direito para frente. Não houve mágico.
Eles estavam entre os últimos a sair do circo, determinados a jamais pisar outra vez em um circo, quando o sapo entrometeu-se em sua frente barrando-lhes a saída:
- Esperem mais um pouco. Por que já vão embora?
Haroldo adiantou-se, apontando um dedo para o sapo, uma atitude agressiva que o menino dificilmente teria em outras circunstâncias:
- Eu e minha irmã não vamos mais ficar um minuto sequer nesse lugar horroroso. Nós vimos o que foi feito ao pobre leão, sem falar na coitada da bailarina, presa.
- Mas é exatamente para nos ajudar a remediar esses problemas que eu gostaria de lhes pedir que ficassem mais um pouco - disse o sapo lhes dando um sorriso amigável.
Os palhaços, vendo que algo estava estranho, aproximaram-se da saída. O arlequim tocou no ombro do sapo, olhando assutado para as crianças lhe disse:
- Sr. Sapo, o que está acontecendo aqui? Co-como essas crianças ainda estão aqui? Não me diga que você quebrou seu contrato? - a última frase dita com temor fez as crianças pensarem no que aconteceria se houvesse uma efetiva quebra de contrato, o que, felizmente, não era o caso:
- Mas de forma alguma eu quebrei o contrato. Ele é bem explícito, eu devo impedir que as pessoas tentem entrar escondidas e, como foi bem lembrado pelo jovem rapaz, quando encontrei as duas crianças, elas já estavam dentro do circo. Portanto, deixá-las ficar não constitui nenhuma quebra no contrato.
O arlequim eufórico, abraçou o sapo e atirou-o para cima e aparou sua queda:
- Mas isso é maravilhoso. Vocês...vocês vão nos ajudar crianças?
Antes que Haroldo expressasse alguma hesitação, Clarissa adiantou-se e deu forte aperto de mão no arlequim:
- Mas com certeza que vamos.
O barulho de botas pôde ser ouvido ao longe agora que o circo estava em silêncio. O arlequim apressou-se em fazer com que as crianças entrassem no fusca dos palhaços e a voz grave do domador se fez ouvir no picadeiro:
- Que algazarra é essa que está acontecendo aqui?
O resto dos palhaços correu e se bateram e andaram em círculos antes de conseguir entrar no carro que, estranhamente, comportava todos eles e as crianças confortavelmente:
- Nada senhor, são só esses palhaços bagunceiros, mas já estou dando um jeito neles.
Dentro do carro o arlequim começou a explicar para as crianças como após a morte do mago, que também era o mágico do circo, o domador de papel apossou-se do escritório onde ficam os contratos mágicos de todos os integrantes do circo e de acordo com os contratos nenhum funcionário do circo, com excessão do dono da sala, pode entrar lá. De imediato as crianças entederam qual seria o seu papel.
O domador aproximou-se da bailarina:
- Já mudou de opinião?
Ela levantou um pouco o olhar, mantendo o passo de balé em que se encontrava:
- Não.
- Olha bem, você vai ficar livre desses fios, vai ficar livre e vai ser dona disso tudo comigo. Eu assumi tudo por sua causa.
- E foi você também quem me prendeu nos fios - ela baixou de novo o olhar.
Ele lhe lançou um olhar irado:
- Pois bem, é por causa dele não é? Tragam o arlequim.
As crianças olharam para o seu novo amigo que lhes disse:
- Não se preocupem, enquanto eu vou lá, vocês dão a volta por trás do picadeiro, o corredor iluminado pelas tochas leva até o escritório, por favor, peguem os contratos.
O arlequim desceu pela porta contrária a que havia entrado e enquanto se dirigia até o domador. as crianças também sairam mas foram caminhando pelo outro lado, tendando fazer menos barulho possível, mas nem precisaram se esforçar muito para isso, pois o som das chicotadas que o arlequim tomava enchiam o ar. Haroldo parou um momento para ver a cena e percebeu que as lágrimas da bailarina brilhavam quando caiam do seu rosto até chegar ao chão.
Quando chegaram no corredor e não podiam mais ser vistas as crianças correram, até chegar à porta de uma sala. Pararam um instante para observá-la, era decorada com um papel de parede azul escuro com sóis e estrelas com rostos dourados desenhados, mobílias antigas e muitos papéis. Num porta retrato havia uma fotografia de um homem jovem de fraque, capa e cartola junto aos integrantes do circo, todos pareciam muito felizes. Na escrivaninha logo abaixo da prateleira onde se encontrava o porta retrato as crianças viram um bloco de papéis, todos iniciados com a palavra contrato.
Rapidamente pegaram todos, quando estavam saindo da sala Clarissa viu uma tesoura e também levou-a, pensando em cortar os fios que prendiam a bailarina. De volta ao picadeiro, assustaram-se com a selvageira que tomava conta do lugar
- Pare senhor, vai matá-lo.
Mas o pobre sapo levou um chute que o fez voar até a arquibancadas, inerte. Em volta do domador, mas sem coragem de intervir mais diretamente, os palhaços lhe rogavam que parasse com aquela loucura. O arlequim caído no chão já não tinha forças para se defender. Tomada de uma raiva crescente com a injustiça sendo cometida, Clarissa pegou uma das tochas e avançou contra o domador. Seu irmão tentou impedí-la, mas ela era foi mais rápida. Prostrou-se entre o domador e o arlequim, segurando a tocha de forma ameaçadora:
- Deixe-o em paz.
- Sai do caminho.
Se esquivando da tocha o domador empurrou a menina. Com o tombo ela deixou a tocha cair e se apagar. Vendo a irmã ser agredida, Haroldo pegou outra tocha e investiu contra o domador, que deu um urro de dor quando o fogo começou a consumir seu corpo:
- Venham amigos, pegamos os contratos de vocês.
Clarrisa usou a tesoura para libertar a bailarina que correu para ajudar seu amado arlequim. Nesse momento o domador reaparece, assustador com seu corpo pegando fogo:
- Eles não podem sair, é magia do circo que lhes dá vida, lá fora eles não são nada. AHAHAHAHAHAH. Vão todos morrer comigo - dizendo isso, ele lançou-se contra lona, que imediatamente começou a ser consumida pela chamas:
- Ele está mentindo, não está? - perguntou Clarissa entrando em desespero.
Os semblantes tristes dos palhaços revelava que não:
- Sem nossos contratos ele não poderia mais exercer poder algum sobre nós, mas ele está certo, fora do circo nós não existimos - disse o arlequim com tristeza.
- Agora vão, obrigada por tudo que tentaram fazer por nós - a bailarina lhes deu um sorriso de sincera gratidão.
De longe os irmãos puderam ver o circo ser consumido pelas chamas e se despediram da silhueta única que o casal abraçado formava. Mesmo o fogo tendo consumido tudo não sobraram cinzas, só o canteiro de flores indicava onde o circo havia se instalado. Haroldo e Clarissa encontraram uma pequena estátua de um casal, chamuscada e quase irreconhecível. No outro dia ninguém tinha lembrança alguma de que um circo passara pela cidade.

Um comentário:

Lilith disse...

Não gosto muito de tietagens,
todavia abrirei uma escessão. Da primeira vez que entrei em contato com esta história fiquei impressionada com sua beleza, mas mais impressionada ainda com o fato dela ainda não ter sido escrita e finalmente o foi.
Mas do que um romance é uma janela para o sonhar ( eu avisei da tietagem).Acho bela a construção dos personagens, o enredo, a escrita (idem).