quinta-feira, abril 12, 2007

Melodrama

No cinema, talvez por ser escuro e as pessoas não se ocuparem umas das outras, ela fazia alguns pequenas afensas às boas maneiras, coisas impensáveis no dia-a-dia. A sua favorita era mastigar a pipoca de boca aberta, mas essa ela nem fazia conscientemente, só se deu conta disso quando aquela voz grave lhe avisou "Você tá mastigando de boca aberta". Nem percebera quando ele se sentou ao seu lado, talvez estivesse estado ali até antes dela chegar, não, não estava, disso ela tinha certeza, porque quando sentou havia escolhido uma fileira vazia. Engoliu e levou mais um pouco de pipoca à boca. No elevador panorâmico a personagem central do filme pensa "Longe é só um lugar onde você nunca foi". Ele tenta cautelosamente deixar o braço tocar no dela, havia finalmente compreendido que as pequenas coisas do cotidiano são infinitamente mais difíceis de contornar do que os grandes problemas. Ela tira o braço do apoio da cadeira, para ela as pequenas coisas já tornaram-se irremediáveis:
- Eu queria falar contigo.
- Mais ainda? E no meio do filme? Que timing hein...
- Pára com isso. Eu só queria saber por quê, só isso.
- Você não me diz coisas bonitas, por isso.
Na película Alice dizia para o vento "destino é aquela da gente que emfrenta o mundo" e depois finalmente encontrava Alberto.
- Lógico que disse...
Ela se virou e seus olhos tinham o brilho de algumas lágrimas que chegam à borda dos olhos, mas por lá ficam até voltarem para onde quer que seja que as lágrimas possam voltar:
- "Agradável", nunca se esqueça disso, você disse que sou "Agradável".
O filme terminou e ela adiantou-se , quando ele levantou havia várias pessoas tentando sair. Lá fora uma daquelas chuvas que dão tristeza. Ele tentou acenar e chamar seu nome, mas ela estava de costas e fingiu não ouvir. Atravessou o sinal nos últimos segundos e ele ficou preso do outro lado. Alcançou-a quase no final da praça:
- Espera.
- Pra quê? Pra ver você se molhar e se enrolar mais ainda? - ela não tinha mais lágrimas nos olhos, tinha uma expressão de ressentimento no rosto.
- Bom quantoa chuva, cê tem um gurda chuva bem grande...
- Esse tipo de momentos íntimos nós não partilhamos mais.
- Não foi aquilo que eu quis dizer...
- Não? Você quis dier o que então, que eu sou bacana, que...
- O QUE EU TÔ TENTANDO DIZER, aparentemente com pouco, na verdade sem sucesso algum, é que eu não sabia o que dizer daquela vez...
- Ah, e sabe agora?
- Pára de me interromper, não tenho nem certeza se isso que eu vou dizer é exatamente o que eu sentia, mas é o que eu acho que deveria ter dito. Estra com você tinha uma sensação de familiaridade, parecia que nós estávamos daquele jeito desde sempre e que iríamos ficar daquele jeito pra sempre... - ele baixa um pouco o olhar.
- Eu não sei se isso é bom ou ruim.
- Eu achava bom.
O ressentimento, mesmo não esquecido, lhe deixa o rosto. Ela se permite lagrimar:
- Pode andar debaixo do guarda chuva.
- Brigado.
- Ai, cê tá todo molhado.
- Culpa tua - ele sorri.
- Se comporta, senão vai já voltar pra chuva.
- A tua casa não fica pro outro lado?
- Eu não sabia o que fazer, tava só seguindo uma direção.
Eles caminham juntos.
---
* Só a Sue sabe desde quando isso tava na geladeira.

Um comentário:

Sic disse...

"...havia finalmente compreendido que as pequenas coisas do cotidiano são infinitamente mais difíceis de contornar do que os grandes problemas..."

Eu acho, eu acho e concordo

Adoro congelados e adoro tudo que vem de ti.