segunda-feira, novembro 07, 2005

Doutrina da Não Limpeza

Não, isso não tem nada a ver com higiene pessoal, mesmo porque a prezo bastante - em mim e nos outros - e esse blog não vai falar de coisas nojentas, pelo menos não por enquanto. Ela se refere a objetos inanimados e outras coisas que não conseguem se limpar sozinhas, como animais de estimação ou bebês. Consiste basicamente em não limpá-las e deixar ou convencer outra pessoa a fazê-lo.
Ela foi criada porque em um acesso de compulsão por limpeza, decidi que as teclas do teclado estavam sejas demais. Peguei um algodãozinho, enxarquei de álcool e comecei o esfrega-esfrega, lógico que a partir daí as coisas tinham de se tornar pastelão. Primeiro porque de alguma forma eu consegui desligar o computador pelo teclado, assim descobri que existe uma tecla que o desliga. Embora ainda não saiba qual é, pelo menos agora sei da sua existência. Encarei isso como uma forma de me concentrar mais na limpeza, mesmo que seja muito, muito chato mesmo fazê-la sem música.
Lógico que a concentração extra me fez perceber que o pobre teclado estava incrivelmente cheio de poeira por dentro. Então decidi que iria exercer uma das funções básicas do homem, montar de desmontar coisas, que junto com mijar de pé e doar esperma fazem um importante tripé na nossa sociedade. Pobre, pobre teclado.
Para isso precisava de outro apetrecho, um símbolo da masculinidade, uma caixa de ferramentas com algumas chaves de fenda. Na falta de uma peguei o estojinho de couro da minha irmã onde ela guarda as chaves de fenda dela, mesmo sentindo vergonha por ela as ter e eu não. Repetindo metalmente os ensinamentos de Ana Maria Braga "Parfuzar é no sentido horário e desparafuzar é no sentido anti-horário. Menina, assim você vai montar sua própria estante de madeira!". Peguei, de forma bem viril, uma chave de fenda estrela, olhei-a com a convicção de estar fazendo algo importante, só para me dar conta de que ela não tinha o tamanho certo "Puta que o pariu, isso não tá dando certo!".
Depois de finalmente pegar a chave certa e retirar todos os parafusos, era só retirar a parte de cima e limpar certo? Errado, porque o teclado também tem uma parte de encaixar. Aí começou, puxa de um lado, puxa do outro "Merda, eu vou acabar quebrando esse negócio". Dito e feito, além de lascar o polegar esquerdo, quebrei um dos encaixes, mas finalmente consegui separar as partes do teclado.
Infelizmente, nesse ponto, milhões de pequenos negocinhos verdes de borracha, os quais eu ainda desconhecia, já tinham saído de seus respectivos lugares. Descobri uma pequena família de aranhas vivendo ali; despejei-as sem o menor sentimento ecológico, depois de certo tempo ser ecologicamente correto é um saco.
Todos os milhões de negocinhos de volta aos seu lugares, tudo limpinho, é só colocar as partes juntas e fechar o teclado para todo o sempre. Exceto claro, se você encontrar uma teiazinha de aranha que displicentemente você deixou escapar e depois de tudo que havia passado para limpar a droga do teclado, não poderia deixar ali, poderia? Então, com todo cuidado peguei um pedaço de algodão, tirei a teia e gentilmente fui levantado a mão. Entretanto, algumas fibras de algodão prenderam em alguns dos milhões de negócios verdes de borracha e os lançaram pra baixo da mesa do computador. Maldito algodão, malditas fibras.
Então, eu, o pretenso macho, tive de ficar de quatro em baixo da mesa do computador atrás de 4 pequenos negócios verdes de borracha - patético. Só para levantar, bater a cabeça e espalhar muitos outros pela mesa. Nesse momento recorri a todos os rituais conhecidos pela sociedade moderna para manter a calma em situações estressantes, respirei fundo, contei até dez, pensei até em contar carneirinhos, mas o pêlo deles é parecido demais com algodão para que eu não sentisse vontade de trucidá-los. Curiosamente, a última alternativa foi a de melhor resultado, a cada pequena coisa verde de borracha que voltava ao seu devido lugar, um pobre carneirinho sofria uma morte terrível e inexorável.
Ignorando qualquer outra coisa que me impedisse de finalmente fechar minha caixa de pandora tecnológica, encaixei o teclado, posicionei os parafusos, entoei o mantra "Parafuzar - Sentido horário, Parafuzar - Sentido horário...". Tudo isso só para me dar conta do sumiço da chave de fenda estrela. Depois de vasculhar o lixeiro (sim, quem nunca jogou algo que não deveria no lixeiro, que atire a primeira pedra) e ralhar com a minha pobre mesa que tem a compulsão de engolir coisas, peguei uma outra chave qualquer e parafusei tudo.
Então era só entrar na internet e fazer um drama sobre tudo que havia me acontecido na última hora. Exceto pelo fato de que o teclado não estava funcionando, nem as poucas luzinhas que ele tem funcionavam, nem mesmo o ctrl+alt+del, a arma final contra todos os problemas da informática atual, funcionava. Desparafuzei tudo de novo, chequei todos os pequenos negócios verdes de borracha, todas as outras coisas, e nada, absolutamente nada parecia fora de lugar.
Fiz o que sempre faço quando um problema parece não ter solução, fui fazer outra coisa completamente diferente e ignorar o problema por algumas horas. Quando voltei, descobri a chave de fenda estrela do tamanho certo para os parafusos do teclado em cima da mesa do computador, completamente dentro do meu campo visual e, muito provavelmente, ignorada pela minha pessoa antes.
Passei de novo pelo processo de abrir o teclado e ver que ele não funcionava, comode costume me deu vontade de bater minha cabeça contra alguma coisa, mas dessa vez fiz diferente. Dessa vez eu levei o teclado até a minha testa e depois de uns dois golpes, me ocorreu que o fio dele não deveria ser tão longo. Aparentemente, de tanto ser puxado de um lado para o outro o fio havia sido desplugado do computador. Então eu, o macho derrotado, coloquei de volta o plugue e desliguei o pc, não tinha forças pra fazer nada informatiquesco. Pobre, pobre macho.
Declarei nesse momento que qualquer coisa na minha vida que não tenha a capacidade de se limpar sozinha ficará suja e se alguém vier com o falso moralismo "Ai, teu computador tá tão sujo" receberá a resposta "Então limpa, porra".
Depois do incidente duas teclas foram perdidas e o "a" começou a desaparecer.

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