segunda-feira, janeiro 30, 2006

Promessa

Renato reuniu toda sua coragem e saiu. Já estava anoitecendo, mas ele havia prometido e não gostava de quebrar promessas. Essa em específico foi feita no dia anterior, para o seu Jorge, um mendigo meio doido que sempre aparecia lá pela rua. Ele devia ter pra lá de uns 50 anos, cabelo grisalho todo assaranhado, os olhos negros, meio desavisados do mundo ao redor.
Os meninos haviam judiado do pobre, até pedra jogaram nele, mas Renato o ajudou. Ele estava com os olhos ainda mais perdidos quando falou "Venha aqui amanhã e vou te recompensar por ter me ajudado. Promete?".
O "aqui" na verdade era um grande nada, um jardim abandonado faz muito tempo, com um monte de xaxins velhos, com samambaias murchas e erva daninha, também tinha uma mesa branca, muito velha. Apesar de abandonado, o lugar não dava medo, mas tinha uma sensação de que faltava algo.
Chegou junto com a nuvem que cobria os últimos raios de Sol, ela ficava meio alaranjada, meio branca, parecia algo de comer. Seu jorge estava de pé, a mesa de ferro a sua frente, velha e enferrujada, daquelas que os pés só se separam no final e fazem muitas curvas, e um chapéu no tampo. Pediu a Renato que fechasse os olhos.
Assim que o fez, veio primeiro o som abafado como um saco cheio de pó que espoca, e depois aquela sensação de luz forte que aquece as pálpebras quando os olhos estão fechados. O garoto abriu os olhos e pode ver o inacreditável, o lugar todo estava iluminada, como se houvesse um Sol ali, só para eles.
O barulhos era de várias serpentinas e papel picado, brilhantes e coloridos, nem pareciam feitos de papel, saídos de dentro de uma cartola de mágico, negra mas perfeitamente polida e por isso refletia a luz e o reflexo de tudo ao redor.
A grama e os xaxins haviam milagrosamente recuperado o viço, tinham um verde bonito. Além disso, várias flores brotaram no chão, como se suas sementes estivessem só esperando a oportunidade certa para nascer.
Passaram voando atrás de seu Jorge umas aves majestosas do tamanha de araras, mas eram brancas e tinham cristas azuladas assim como as caudas. Além disso, cantavam uma melodia suave que fazia a pessoa esquecer as coisas ruins. Era isso tudo que faltava àquele jardim.
A mudança mais espetacular operou-se no velho mendigo, este agora tinha seus cabelos grisalhos muito bem alinhados, um autêntico bigode de mágico, assim como uma varinha negra com a pontinha branca que ele segurava na mão esquerda, estendida para o alto como se fosse a responsável pelas transformações ocorridas. Vestia um fraque e usava uma gravata borboleta, ambos impecáveis. Seus olhos, aqueles que antes andavam perdidos, pareciam cheios de estrelas, muito vivos.
Durante o que pareceram horas Renato, que agora permitia ser chamado de Renatinho - antes não gostava, porque fazia-o parecer infantil - pôde ver coisas que nenhuma outra criança tinha visto. Na hora de se despedir perguntou por que nem todos sabiam disso, seu Jorge só lhe disse "O problema meu filho, é que para a maioria, a visão jamais ultrapassa os olhos" e lhe fez prometer que jamais contaria a quem quer que fosse sobre o jardim e as mágicas.
Muito empolgado com tudo Renatinho chegou e casa com cara de satisfeito, mas a empolgação atraiu a desconfiança da mãe, ainda mais quando este lhe disse "Sou o dono de um segredo". Seus pais, muito mais por se sentirem afrontados do que por preocupação com o filho, lhe disseram que era proibido a um filho manter segredos aos seus pais. Vendo-se sem alternativas, Renatinho lhes relatou o acontecido, muito contrariados e achando aquilo tudo absurdo, lhe proibiram de falar com seu Jorge e quando o coitado passava, sempre parecendo um mendigo roto e meio débil lhe mandavam sair de perto.
Um dia Renatinho conseguiu despistar os pais e saiu de noite para encontrar seu Jorge no jardim. Ele tentou fazer a mágica mais uma vez, puxou a varetinha e fez um floreio no ar. Quando viu que nada acontecia, perguntou ao menino se ele havia contado sobre a mágica. Desapontado, o menino lhe contou o que havia acontecido e que não teve outra alternativa. "Ah meu filho, eu te entendo, mas infelizmente eu jamais poderei fazer a mágica de novo pra você. Não há nada que eu possa fazer".
Renatinho ficou triste por muito tempo, até conseguir se conformar com o acontecido. O menino cresceu, agora já não cabia mais lhe chamar de "Renatinho", mas ele não se importava quando algum velho conhecido o chamava assim.
Ele e sua esposa tiveram uma filha, a quem amavam mais do que qualquer coisa. Decidiram que se chamaria Lúcia. Ela também recebeu o diminutivo, sempre lhe chamavam carinhosamente "Lucinha" e ela nunca se sentiu diminuída por ele. O pai jamais lhe proibiu de falar com seu Jorge. Este agora já bem velhinho e parecendo ainda mais perdido que antes.
Um dia, a menina chegou em casa com o mesmo semblante que seu pai tinha depois que saiu do jardim, um pouco sonhador e muito satisfeito, só agora seu pai via o quanto ele era intrigante. Sempre que alguém está com o semblante assim dá um pouco de vontade de saber como ficar tão feliz. Seu pai sabia como.
Lucinha também amava os pais mais que tudo e decidiu partilhar com eles o que lhe acontecera, mas quando está falou que envolvia seu Jorge, seu pai logo lhe perguntou se ele lhe pedira segredo e ela respondeu "sim". Comovido com o amor da filha, seu pai lhe disse "Não precisa não minha linda, guarda esse segredo, ele é teu" e sorriu passando a mão na sua cabeça, bagunçando os cabelos da menina. Ela protestou em defesa de seus cabelos, mas também lhe sorriu e deu a mão, seu pai a levou para o quarto já passava da hora de dormir.

Um comentário:

Sic disse...

Que bela casa pro xaxin!

Concordo com o Edimir estou cada vez mais apaixonada pelos teus diminutivos...

Beijos