terça-feira, janeiro 24, 2006

Fora do Real

Ele acordou com uma pontada de angústia, parecida com a que se tem ao pensar na morte pela primeira vez. Um aperto gelado no coração ao perceber que um dia não vai mais poder pensar nas trivialidades da vida. Tomou café gelado para não ter de acordar e assim não lembrar daquela pontada.
Foi pra academia e percebeu que tinha bem mais gente do que o normal. Quando as primeiras gotículas de suor se formaram na sua testa, foi como se o mundo todo estivesse errado "Tá errado. Isso tá errado. Tem que estar". A única coisa que queria fazer era sair dali.
Correu na direção de uma barra e chutou-a o mais forte que pode. Parou com os olhos fixos. Sentiu em cada segundo os músculos se estirando, a pele sendo arranhada, ouviu "tlec" de ossos quebrando e o leve formigamento que isso causa, percebeu todos os tecidos se rasgando até a ponta do osso atingir a superfície da pele, mas sem sangrar. A dor lancinante que se seguiu o fez desmaiar.
No hospital, estava sentado numa cadeira no corredor, tinha uma velhinha desgrenhada na sua frente. Iria reclamar para o médico da pontada, ela ainda o incomodava. Lembrou que era um hospital público, mas também lembrou que só existiam esses, desde a segunda guerra, quando a União Soviética foi a grande vencedora e o mundo se tornou socialista. Mas isso estava errado, devia estar.
Um homem alto e forte passou por ele e pela velhinha e entrou na sala:
- Que ultraje, você vai deixar fazerem isso com a sua mãe?
- Mas senhora... A senhora não é minha mãe.
- Seu ingrato! - seguiu-se um forte tapa na cara.
Pegou um par de muletas e saiu do hospital. Fazia um sol inclemente. Sentou em um banco na praça em frente ao hospital. Olhou para a estátua de Lênin, tinha um calango tomado Sol na mão dele. Isso também estava errado, tinha de estar. O calango balançava a cabeça pra cima e pra baixo, naquele "sim" mecânico que calangos fazem. A única coisa que parecia certa naquele dia era a pontada.

2 comentários:

Sic disse...

Gostoso...

Anônimo disse...

Puxa amigo, não conhecia essa tua veia literária, definitivamente jornalismo não é uma opção p/ vc. Pena, se pudesse transferia todos os publicitários p/ minha turma ;o(
Tudo seria mt mais divertido in this less gray world!!!