terça-feira, maio 23, 2006

S&R Letras Voltou ^^


"Sejaaaa, meu príncipe, meu hóspede, meu homemmmm..." A voz meio esganiçada é da Kelly, nós dividimos um apartamento. Ela é puta e eu sou jornalista, quase colegas de profissão:

-Anda bunitaa. O café tá pronto já.

Por que divido apartamento com ela? Porque eu já dividia quando ela se chamava Rogério e fazia ciências sociais. A bem da verdade, ele não precisava ter virado puta, mas é que isso é o que ela queria fazer de verdade. Ela também faz dublagens, mas diz que não pega bem pra drag ser puta, como ela gosta muito mais de ser puta que drag, as dublagens são sempre exclusivas pra mim. Moramos juntas faz uns anos, a proprietária do apartamento sou eu, mas a dona da casa é ela, assim como da palmeira tristonha porque vive num vaso; do espelho quebrado que fica pregado em frente à porta de entrada e o inferno dos peixes (ela insiste que seu experimento sociológico um dia fará com que os betas aprendam a conviver com os outros peixes, como não tem outro jeito, eu passei a comprar só os peixinhos de dois reais). Além disso, ela, diferente de mim, é uma excelente cozinheira, fazemos as três refeições juntas e meu almoço nunca atrasa.

-EEEuuu quero dizer pra sempreee que eu te mereçoooo.

Às 10 da manhã do domingo tenho de ligar para minha mãe. Um dia ainda escrevo um livro sobre a velinha ranheta, até hoje ela ainda me pergunta como vai o balé e o Fernandinho, meu namorado de adolescência. Será que digo pra ela que ele foi pra Holanda e se casou com o homem loiro, alto e rico dos meus sonhos?

Sou uma excelente escritora, devo tudo ao meu décimo grau de parentesco com a Clarice Lispector. Que merda, tenho de sair da cama, preciso dar um jeito no cabelo. Ele está rosa, maltratado de química, meio estranho de pegar, mas todos dizem que está lindo, isso que importa. Domingo é dia de coisas que normalmente eu esqueço durante a semana: mamãe, cabelo, unhas, pelos sobressalentes na sobrancelha...

- Será possível, quer que eu te traga no colo mona?

A Kelly, apesar de ter colocado silicone até no cérebro, no fundo é um grande cavalheiro.

- Pronto “uoooohhh” Desculpa, mas tu viste a hora que cheguei?

- Não, cheguei depois.

- Como você consegue? Depois de uma noitada ainda assim, linda, loura e feliz se esguelando na cozinha?

- É que ontem foi especial

- O que foi? Conseguiste um bofe escândalo que ainda te chamou de princesa?

- Não, fui pedida em casamento

- O que? Cof, cof, cof, desculpa me engasguei com um pedaço de pão. Com quem, já? Não sabia nem que tu tinhas namorado.

- Nem eu! - Com as mãos na boca caiu na gargalhada.

Como ela podia rir assim? Era louca! Estava feliz por ser pedida em casamento por um desconhecido, acho que não há espaço suficiente no corpo para o silicone e o bom-senso.

- Quando vocês se conheceram? Ontem? No mesmo dia que ele te pediu em casamento?

- Ai, deixa de ser assim, nem parece que estás feliz? Sabe quantas travestis são pedidas em casamento?

- Achei que tu gostasses de ser puta?

- Despeitada. Posso te contar como aconteceu?

Torci a boca, levantei só um lado do rosto e não me restou mais nada a dizer que não fosse:

- Fala.

- Ele já era meu cliente, gostou e repetiu a dose, e não foi nem uma, nem duas e nem três vezes. Ontem gozava na minha boca e me pediu, não é lindo?

- Noossa com toda certeza, onde foram parar a carruagem, o sapatinho de cristal e a madrasta? Conto de fadas hoje em dia, tem é esporrada na cara da princesa!

- Eu não sei por que tu estás assim, tão azeda. Era pra ser divertido sabia?

- Desculpa, acho que ainda nem acordei, só posso estar em um pesadelo, por isso vou voltar pra cama e esperar que tudo volte ao normal.

Entrei no quarto e quis fazer cena, jogar a caixinha que ela me deu no espelho, chorar encostada na parede, ficar com os olhos sujos de sombra que não tirei de ontem e escorregar lentamente até me sentar no chão, agarrada no salto quinze dela. Sim, eu confesso, amo essa-esse-sei-lá-o-quê desde o primeiro dia que nos encontramos na faculdade. Quando ele veio morar comigo eu já sabia que era gay, mas sabe como é mulher apaixonada sempre acha que pode mudar, que só amor transforma. Realmente o amor transformou, transformou ele, em ela.

Eu estive em todos os momentos, ajudei a escolher tamanho do silicone, tinta de cabelo, esmalte, vestidos, tudo... Não tinha mais escolha, estava apaixonada, só me restava ficar ao lado dela. Agora ela vem me dizer que vai casar?

- Ei, senhorita jiló, telefone pra você, sua mãe, digo que estás em um pesadelo? Que ela faz parte disso tudo e que assim que tu acordares liga pra ela?

- Palhaça.

Falei rápido com a mamãe coisas do tipo: “sim, estou comendo”, “sim, estou escrevendo”, “sim, estou vivendo”, “sim, vou ao balé todos os dias”, “satisfeita?”, pensei em dizer pra ela “Mãe, o Fernando é gay”, mas a coitada não merece isso.

Agora, era hora de me dedicar ao futuro casamento do amor da minha vida. O quê? Eu não posso me apaixonar por um travesti? Por quê? Porque ela nunca vai me querer? Tá bom, qual a mulher que usa esse critério pra não se apaixonar? Preciso fazer alguma coisa...

- Por que você ta fazendo tudo isso?

- Fazendo o que mapô? Eu vou casar, vou ser feliz, tu não queres me ver feliz?

- Ai, eu não acredito, isso tudo é irreal demais pra mim.

- Não acredita no quê. Que alguém me pediu em casamento? Que eu vou me casar e você ainda não?

Será que é isso? Será que eu tô com inveja? Puta que o pariu, eu ia me sentir tão menos miserável se fosse inveja. Só “admiração sem esperança”

- Tô com inveja bicha. Só isso. Só um pouco de inveja. Me perdoa?

- Vem cá mapô. Claro que pode ficar com inveja, a parte mais importante de casar antes da melhorar amiga é fazer inveja pra ela.

- Sabes que eu vou fazer pouco da tua cara quando ele te largar, né?

- Vai nada, cê vai ficar chorando comigo no quarto. As duas de maquiagem borrada e uma caixa de lenços. Vai ser super Hollywood, baby.

-Vai bicha vai sim.

Um comentário:

Sic disse...

É pra dizer o que?

GOSTOSOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO

Beijos