quarta-feira, março 15, 2006

O Guarda-Chuva de Bolinhas

Naquela década, fazer a travessia do atlântico em barcos não era algo obsoleto e eu ainda não confiava em aviões. Era inconcebível algo que voasse sem bater asas. Além disso, ter alguém esperando no porto tinha um clima de romance inestimável. E era assim que eu queria que ela estivesse, me esperando no porto.
Lá de cima eu iria avistá-la. Claro, separada da multidão, ela simplesmente não se ajustaria a eles, não teria aquele sentimento de união que cresce nas pessoas saudosas e as faz solidarizarem umas com as outras. Deslocada, mas ainda sim, ou quem sabe exatamente por isso, o centro das atenções.
Meu deleite começava sempre por baixo, um scarpan preto. Pernas bem torneadas e brancas, escondidas pela metade, mas a fenda lateral da saia sempre mostrava um pouco mais. A saia acentuava o relevo dos quadris. A blusa branca um pouco aberta mostrava algumas sardas e levemente o contorno do seio esquerdo. Óculos escuros grandes escondem um pouco da beleza, mas acrescentam um ar de mistério. O guarda-chuva é a peça mais curiosa, preto com bolinhas brancas, é antigo e quando não está protegendo da chuva, está protegendo do Sol. Sempre a indaguei onde diabos havia encontrado um guarda chuva de bolinhas "Um camelô na esquina da minha casa me vendeu".
Mentira, ela sempre mentiu pra mim. Mas era só um guarda chuva, então não fazia diferença. Me incomodava pensar que ela poderia sumir e eu não teria como encontrá-la. Se tinha marido e filhos eu não sabia, tão pouco me importava, pro diabo com o corno e os fedelhos remelentos, ela estava comigo.
As vezes eu até tentava arrancar alguma coisa "Eu te faço o homem mais realizado que você conhece, não é mesmo?Então você não precisa de mais nada, precisa?". Não precisava mesmo, não queria um casamento que a deixasse gorda e mal-amada, nem filhos sugando a vida dela pelos seios. Ela era minha da forma mais egoísta que eu já consegui amar alguém.
Precisava me conter todas as vezes que estava entre suas pernas, para que ela não conseguisse perceber a minha angústia misturada com o gozo. Angústia pela necessidade de união de uma forma que o corpo não consegue fazer, uma ligação do ser com outro ser, uma necessidade brutal da pele dela fundida à minha. Fazendo com que todo gozo seja suado, meio desesperado, meio animalesco, muito, mas muito bom mesmo.
Tenho certeza que quando descer do navio ela vai estar me esperando. Vai largar o guarda-chuva e vai correr na minha direção. Pular no meu pescoço e eu vou segurá-la pela cintura. Vai me dar um beijo no rosto como provocação. Movimentos sedutores calculados, só pra me fazer sentir remorsos pela última vez.
Desci do navio. A qualquer momento ela vai me surpreender. Essa multidão maldita que não sai da minha frente. Eles demoram a dispersar, vão para as suas casas cambada de inúteis, corja da classe média. Já é quase noite. Onde será que ela se meteu? Eu não fiz por mal, ela sabe disso. Iríamos passar a noite juntos, era só pra ela dormir um pouco.
Vou me sentar, vou esperar mais um pouco. Você vai ver amor. Estou aqui, contrito, completo, tudo em mim é seu "Todas as minhas flores, até a erva daninha. É tudo seu". Lembra dessa frase? Me desculpa?

Um comentário:

Sic disse...

Se você não fosse meu amigo, provavelmente nesse exato momento estaria tentando planejar algo infalível para tê-lo só pra mim kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk que texto lindo e tu sabes como essas coisas são afordisíacas pra mim kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

P.S: Por favor, precisamos marcar algo, preciso te ver, vamos tomar um sorvete? bura?