quarta-feira, março 08, 2006

Desligado

O telefone tocou e ele correu para atender. Disse a primeira coisa que lhe veio à cabeça:
-VAI PRO INFERNO.
-Anh?Alô?
-Não me escutou, não? Tá surda? Vai-pro-in-fer-no.
-Quem tá falando?!
-Pensa que eu tenho medo, é? Vai pro inferno. É o Raphael quem tá falando aqui.
-Raphael?! É do 32468995?
-Ah, não. Aqui é 32468994.
-Ah, desculpa, foi engano.
-Puxa, não. Quem tem de pedir desculpas sou eu moça.
-Tá, não se preocupa não - ela disse numa voz pacificadora.
***
Ninguém desligou. Então ela resolveu continuar:
-Posso te perguntar uma coisa?
-Ah, po-pode claro - muito desconcertado.
-Por que você tá tão chateado?
-Quer mesmo saber?
-Fiquei curiosa - Ele imaginou que ela devia ter dado um sorriso ao dizer isso.
-A verdade é que nem eu sei. Eu ando meio deprimido sabe...
-Ah, sei. As vezes fico meio deprimida também.
-Mas é por qualquer coisa. Ontem por exemplo, fiquei depimido na aula. Não tinha nada demais, foi só uma aula chata. Mas daí comecei a olhar pra janela, já não ouvia mais nada ou umas frases desconexas da professora.
-Eu fico assim quando chove. Ontem tava chuvendo às dez da noite, eu tava no ônibus, voltando pra casa. A ra tava tão linda sabe, chuva, luz amarela dos postes, árvoes. Me desabei em lagrimas. Tava praticamente sozinha no ônibus, o trocador ficou me olhando com cara de taxo.
-É, mas chuva é algo que deprime mesmo. Que você tá ouvindo aí?
-É Placebo, o novo. Esqueci o nome.
-Esse cd também me deixa deprimido.
-Ai, mas você também é sensível demais.
-Eu estou num momento ruim, dá licença?!
-Quer saber? Não dou não. Acorda garoto. A vida de todo mundo é uma merda, não é só a sua não.
-Era só o que me faltava. Uma inepta, que nem discar sabe, me dar lição de moral.
-Ora, quer saber duma coisa? Vá pro inferno, isso sim.
-Não. Olha, desculpa de novo. Sabe, é que a gente sempre acha que os nossos problemas sempre são maiores que os dos outros.
-Acho que é por que eles são nossos né?
-Você me desculpa?
-Tá, tá desculpado. Mas olha, eu preciso mesmo desligar, é que eu tenho de fazer uma ligação importante pro 8895.
-Não era 89?
-Hi, é mesmo, já ia ligar errado de novo.
-É - dessa vez ela imaginou que ele sorria do outro lado - Posso te pedir uma coisa?
-Claro.
-Me liga amanhã?
Ela soltou um suspiro como se estivesse decidindo, até que respondeu:
-Tá, eu ligo sim - e ele imaginou mais uma vez que ela sorria.

2 comentários:

Antó disse...

heheehe , bonitinho o texto , engraçado escrevi sobre chuva também ,mas gosto dela apesar do ar melancólico mesmo , acho que me vi no texto...

Sic disse...

Esse não é Sue descontrol :(, kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk Mas tá completamente coração quebrado remendado, sábado, no mesmo batcanal, na mesma bathora, com a mesma batcomida... Salvem o Monteiro Lopes!