segunda-feira, janeiro 07, 2008

História Qualquer

Hoje é o terceiro dia que passo pela estrada próxima ao rio e ele está lá, parado, só olhando pra outra margem, ou pra qualquer outra coisa que eu sou incapaz de advinhar. Minha preocupações egoístas giram em torno das possibilidades do que pode acontecer entre nós dois: um, ele é um homem sensível que gosta de apreciar o pôr do sol e me fará muito feliz; dois, ele é um parvo, desocupado e será no mínimo desestimulante ouví-lo. Em todo caso tudo ainda está restrito ao campo das possibilidades, porque eu mesma, sendo retraída, não vou lhe dirigir palavra, mesmo porque uma estranha que se senta ao lado de uma pessoa, do nada, no momento seu momento de reflexão, caso seja o que faz, seria pelo menos incômodo. Odeio ser incômoda.
Um dia eu tive certeza que ele me ollhou na hora em que eu passava, uma olhada discreta, talvez até demais, porque eu estava particularmente bonita. Meu Deus, será que ele não se agrada por mulheres? Não seria a primeira vez... Espanto essa idéia, é muito desanimadora.
Interessante, notei que estava descalço hoje. Será que está sempre assim?
Ontem choveu, passei pelo mesmo caminho mesmo assim, havia uma pequena chance dele estar lá, mas as probabilidades quase impossíveis não me ajudaram, ele não estava. Fiquei no lugar dele, de pé, mas o vento próximo da margem é muito forte, quase leva meu guarda chuva. Tentei procurar o que ele vê, mas a posição devia estar errada, ele sempre fica sentado, o clima não ajudava, mal dava pra ver o outro lado da margem, fui embora logo.
Final de semana é horrível, são dois dias inteiros sem a possibilidade de vê-lo. É patético, mas admito que estou apaixonada por uma imagem, porque por enquanto ele não é mais nada que isso, sem cheiro, sem voz, até agora ele só me veio aos olhos, mas é através deles quem vem o amor, não preciso de mais nada além disso pra saber e admitir que amo.
Ao menos respira? Tenho de prestar atenção se o peito se movimenta, nisso e nos sapatos. Respira e pisca, vive, os sapatos ficam na grama, é um homem que usa sapatos, mesmo sendo despojado ele prefere sapatos. Sei tanto sobre você, como se soubesse desde sempre e apenas relembrasse aos poucos, me desculpe por ter esquecido, é essa vida que nos faz esquecer das coisas importantes.
Admito também pensamentos impuros. Ora, sou mulher não sou?Por que não haveria de tê-los?
Hoje ele me notou, tive certeza, não foi um simples olhar de esguelha, ele virou o rosto na minha direção e me viu passar. E eu despreparada, foi cedo demais pra um encontro desses, se ao menos eu estivesse de sobreaviso, uma mudança de posição, qualquer coisa que indicasse que hoje ele me olharia e seus olhos castanhos, - agora ele se torna mais real, tem olhos castanhos um pouco orientais - não me supreenderiam, foi um olhar súbito, depois voltou a procurar o que quer que seja que procura do outro lado, se é que procura alguma coisa.
Hoje foi horrível, terrivelmente insuportável. Quem era ela? Por que ela estava ali perto dele? Falava histericamente, só o vi balançar um pouco a cabeça, nem se dignava a responder propriamente àquela mulherzinha. Que ela fazia ali? Nem amigos poderiam ser, era vulgar demais para ser amiga dele. Não pense que não vi, ela te beijou, beijou nos lábios e depois ficou rindo como uma estúpida. Como você teve coragem de me aprontar uma dessas? Fico doente com o seu descaso para comigo, é tão típico dos homens serem tão descuidadas com as mulheres. Ela não te conhece.
Está decidido, eu nunca mais passo por ali.
Passei mais algumas vezes, mas por mera necessidade de ir ao banco que ficava justamente por aquele caminho, algumas outras porque a vontade de te ver não passa tão rápido assim. Preciso apanhar mais um pouco antes de esquecer minha paixão. Mas prometo, se nos encontramos de novo não vou mais esquecer dos detalhes, eles são importantes. Detalhes são muito importantes...

Um comentário:

Sic disse...

Amores platônicos...ai, ai, ai...