quinta-feira, janeiro 24, 2008

Bloqueio na Hora de Escrever

Ela sentou, decidia a escrever, entendia que a única forma de vencer a falta de inspiração era começar a escrever. Decidiu também que iria fazê-lo à moda antiga, pegou uma meia dúzia de folhas para fazer tudo manuscrito, em menos de cinco minutos já estavam todas no chão. configurando a clássica cena do escritor com bloqueio. Optou pelo caderno ao invés de pegar mais folhas, o barulho das folhas arrancadas preenchia um pouco o lugar. "Nessas horas eu deveria fumar", sempre teve a impressão, um misto de cientificismo e conhecimento leigo, de que o cigarro serviria para clarear as idéias, mesmo assim nunca fumou.
Lembrou de um filme, cujo nome e a maior parte da ação já havia esquecido, em que um escritor era trancado pelos filhos em um fosso com comida e sua máquina de escrever, para forçá-lo a voltar a escrever, também lhe deixando o conselho de que sempre poderia começar com a senteça "The cat sat on the mattress...". Não achava os gatos animais especialmente inspiradores, mesmo com toda sua simbologia, não gostava muito de simbologias baratas também.
Pediu a Roberto que lhe trouxesse um pouco d'água, mas aparentemente ele só escutara "Roberto, #+$*/@& ?" , porque seu único movimento foi levantar o controle e mudar o canal. Experimentou perguntar se ele gostaria de fazer sexo desesperado e exibicionista para os vizinhos do prédio em frente, mas o efeito foi o mesmo. Pediu que ele colocasse na MTV, o que foi atendido, espantosamente, no mesmo instante.
Resolveu que o início do seu texto seria "Meu namorado é um idiota...", colocou a personagem principal as voltas com um namorado chamado Roberto - não importava trocar o nome, ele jamais lia o que ela publicava - um homem que em muitos aspectos lembrava Ken, o ex-namoradinho da boneca Barbie, com os adicionais anatômicos que os pobres bonecos não possuiam.
Cansada da falta de sensibilidade do namorado sua heroína recorreu a um terreiro de macumba - um conhecido por fazer coisas que os outros terreiros jamais ousavam fazer - mas não queria poções de amor nem nada do tipo, pediu somente que ele pasasse a comprendê-la. Advertida de que o que ela pedia não teria volta, foi para casa e completou todo o estranho ritual que exigia coisas, que até mesmo uma mulher liberada como ela não costumava fazer. Depois bastava esperar uma semana e a transformação ocorreria.
Na quinta feira em que completava uma semana do ritual, foi acordada por um grito de agonia, correu para o banheiro de onde o som estava vindo mais forte. Encontrou Roberto jogado no box, o chuveiro ligado, com as pernas enconbertas pelo plástico, chorando, jamais poderia imaginar que o efeito seria tão traumático. Tentou acalmá-lo, perguntou o que estava acontecendo, mas quando percebeu o terror genuíno e a vergonha com que ele pedia para que não se aproximasse, percebeu que algo mais grave acontecia. Ajoelhou-se no box junto ao namorado, deseprada, perguntava o que estava acontecendo.
Depois de muito tempo, ele afastou o plástico e ela pôde ver o impensado, no lugar do pênis havia um nada, ele se transformara em uma cavidade feminina, com um indiscutível ar virginal. Eles não foram ao respectivos trabalhos esse dia, ele não voltaria nunca mais ao escritório, tinha certeza de que notariam, algo denunciaria que ele não era mais homem e logo começariam os boatos sobre sua sexualidade e sobre a pobre namorada que nem devia desconfiar que era enganada.
Foram quatro dias para convencê-lo a ir ao médico, parte do tempo foi decidindo qual se um ginecolgista, porque , afinal, agora ele tinha um pequena vagina, ou um urologista, que talvez por algum golpe de sorte já teria encontrado caso semelhante. Por fim decidiram-se por um psquiatra que talvez os acordasse daquela alucinação em conjunto. No final, nenhum dos três especialistas conseguiu uma resposta convincente, mas também nenhum deles acreditou seriamente nos dois, exceto o psiquiatra que acreditava estar diante de um caso de disturbiu de percepção apresentado por um casal onde um era transsexual do feminino para o masculino.
As outras transformações foram ocorrendo aos poucos e causaram menos surpresa. Não faziam sexo, umas vez tentaram, com resultados desastroso para a estabilidade emocional de Roberto, que irrompeu em uma crise de choro, clamando que ainda era um homem, coisa que sua anatomia já desmentia quase completamente nessa época.
Seis meses depois não havia mais jeito, Roberto era mulher por inteiro, já até se acostumara a ter fluxos. Dois sentimentos a invadiram, o primeiro foi o remorso, porque gostava do namorado e agora não poderia mais ficar com ele, até mesmo usar esse pronome agora era errado, e o segundo, e mais incômodo, foi a inveja, sabia que era sua culpa por ele estar daquele jeito, que ele não havia escolhido aquilo, mas inveja o resultado, os seios mais empinados, as pernas sem marca alguma de celulite, a altura, Roberta era uma mulher para ser exibida na rua.
Não aguentou, teve de abandoná-la, juntou suas coisas e lhe deixou um bilhete "A culpa foi minha". Alguns meses depois viu Roberta na TV, virara modelo de sucesso como era de se esperar.
Terminou de escrever e acreditou sinceramente que estava entrando em alguma espécie de loucura desenvolvida no cotidiano. Juntou as poucas coisas que tinha na casa de Roberto, até a escova de dentes de viagem. Falou "Tchau!" que deve ter soado como "@#$%!". Deixou um bilhete "Meu namorado é um idota".

Um comentário:

Sic disse...

Homens...acredite até os mais femininos, tem sua porção homem bem desenvolvida, maldito crmossomo Y kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk