Edgar Morin começa um de seus livros com a seguinte afirmação sobre o pensamento: “Pedimos legitimamente ao pensamento que dissipe as brumas e as trevas, que ponha ordem e clareza no real”. A forma que encontramos para afastar o caos e a incerteza é classificando as coisas, o fazemos dando nomes, criando taxonomias, sistemas solares, definindo as coisas que pertenceram a cada década do século XX, etc. No final das contas, criamos enormes coleções de tudo o que existe.
Ao mesmo tempo adquirimos uma mania pela memória, perseguimos o conhecimento de toda a grande biblioteca que criamos, contudo ficamos restritos aquilo que podemos lembrar, e memória é uma de nossas “invenções” mais esquivas.
Um subterfúgio é criar algumas convenções sobre as coisas que não queremos esquecer, ou que devemos lembrar, como é o caso dos monumentos. Tudo guarda um pouco de memória, às vezes pode não ser algo tão óbvio e precisemos olhar um pouco mais à esquerda ou ao fundo para entender a obra inteira, mas é certo que está ali.
Para quem mora em Belém e costuma tomar ônibus temos um exemplo bem simples, alguns deles têm em seu itinerário os bairros Águas Brancas, Águas Negras e tem também o Águas Lindas, nem um dos três é perto um do outro, o último por sinal nem fica em Belém, mas está na área metropolitana da cidade. Até para quem mora na cidade esse nomes podem soar estranho, mas isso acontece porque não se ensina nas nossas escolas que, além de seus nomes, os rios da Amazônia são divididos de acordo com suas propriedades bioquímicas em: rios de águas brancas, claras ou negras.
O famoso encontro das águas, a junção dos rios Negro e Solimões – que a partir desse ponto formam o rio Amazonas – é o encontro de um rio de águas negras, o Negro, e um rio de águas claras, o Solimões. Essa não é apenas uma classificação pela cor, ela é apenas o indicativo mais óbvio da ação de uma série de fatores biológicos, químicos e geológicos sobre os rios e, portanto, uma convenção lógica para sua classificação, algo para atuar sobre a memória, a partir disso a acionamos para desconstruir uma palavra e compreender todo um sistema, é como puxar um fio e desfazer um tapete, para depois remontá-lo.
Porém, a nossa mania criou uma situação paradoxal, quanto mais classificamos, mais difícil fica de compreender todos os sistemas de classificação, impossível até, e cada vez mais as coisas ficam longe no tempo e no espaço. A memória vai se perdendo, parecendo tão distante que quando a buscamos ela se parece com, ou quem sabe se transforma em, ficção.
sexta-feira, janeiro 30, 2009
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